terça-feira, 9 de setembro de 2008

VEREADOR SEM SALÁRIO

VEREADOR SEM SALÁRIO
O festival de horrores e de mau gosto assalta mais uma vez as ruas com a polifonia infernal a profanar os alicerces das cidades brasileiras com suas lengalengas cansativas: homens éticos e mulheres guerreiras (des)comprometidos com a verdade e amor à verdadeira causa política, nos aparece com promessas vãs de ocupar o Olimpo e transportar as nossas vidas para o Paraíso.
A Biblia equivicou-se, ao nos sinalizar com a volta do anjo bom; ao que parece, o que nos aguarda é essa horda de interesseiros a nos privar do direito à paz. Gostaria de ver perpetuado em nosso desejo um decreto apagando o salário dessa corja, a fim de presenciarmos o declinio de amor e outros malempregados sentimentos tão "afamados" nesses últimos dias.
Em vez de legisladores pagos com dinheiro público, a grande maioria dos países membros da ONU têm conselhos de cidadãos formados por representantes comunitários: pessoas destacadas na sociedade, mas sem remuneração pela atividade; portanto o cargo de vereador é praticamente uma exclusividade da legislação brasileira. Na grande maioria dos países, a figura do legislador municipal inexiste; em seu lugar há os conhecidos conselhos de cidadãos que trabalham sem ônus para os cofres públicos.
Esses conselhos são reconhecidos pela população e sua formação obedece a uma convocação superior. Isto já funciona em todas as cidades brasileiras: peguem como exemplo o colégio de cidadãos (homens e mulheres) que trabalham em parceria com o judiciário, na instância cível, quando da necessidade de se constituir um corpo de jurados. Dentre os colegiados, convoca-se um contingente, cujos nomes são submetidos a sorteio, momentos antes da seção, a fim de que a seleção não fuja aos verdadeiros preceitos da ética, da isenção e do exercício de direito.
Voltando ao que acontece em todos os países e em algumas cidades brasileiras, nenhum desses conselheiros (vereadores) sobrevive da política e sim de suas atividades profissionais. Geralmente são juízes, promotores, gerentes de banco, advogados, líderes comunitários, membros de clubes de serviço, associações de bairros e outros cidadãos verdadeiramente interessados nos trâmites legais dos projetos do Executivo municipal.
As reuniões, a exemplo do que já ocorre em algumas cidades do sul do País, acontecem em auditórios públicos, sem a estrutura física de uma Câmara Municipal, nem servidores ou comissionados à disposição dos conselheiros.
Esta idéia não gera nenhuma novidade, mesmo no Brasil, onde o formato legislativo é único. Recentemente, mas precisamente em julho deste ano, a prefeita Iracelis da Fonseca Borghi, do município paranaense de Iraí, sancionou uma lei que extingue o salário dos vereadores para a próxima legislatura. Com a sanção, os vereadores eleitos na cidade, no pleito deste ano, não terão mais rendimentos pelo desempenho da função pública. O município, localizado no norte do Estado do Paraná, tem cerca de 12 mil eleitores e oito vereadores, além do presidente da Câmara Municipal. A lei foi proposta e aprovada pelos próprios vereadores da cidade, sendo cinco votos a favor e três contra, no dia 22 de junho.
Até meados de 1977, o trabalho de vereadores não era remunerado, à exceção das capitais e cidades com mais de 500 mil eleitores. Somente após o Pacote de Abril – conjunto de leis outorgado pelo general Geisel, em abril de 1977, visando evitar o avanço da oposição ao regime, foi que os vereadores passaram a receber proventos. Portanto, vereadores são assistentes sociais de luxo e não há nada que eles fazem que um conselheiro isento de remuneração não faça.
Muito mais trabalho tem, por exemplo, um provedor de um hospital, como o da Santa Casa de Itabuna, cujo trabalho é sem remuneração, o que nos remete ao modelo do cidadão que pode e deve participar do tal conselho aqui abordado.
Prestem atenção ao perfil dos candidatos de sua cidade e tentem encaixá-los no moderno sistema de trabalho produtivo, cuja aplicabilidade passa pelo estágio, pela experiência e pela lisura. Ninguém que chegue para uma entrevista de emprego, na atual conjuntura, estará isento de provar sua capacidade e sua experiência no setor pretendido. Estar com a faculdade concluída, de preferência com um curso de pós-graduação é o requisito básico; as demais exigências passam pelo conhecimento de mais uma língua, obviamente, o conhecimento da língua portuguesa tem que ser inerente ao candidato; a ficha pessoal limpa, ou seja, sem antecedentes criminais ou o nome incluído em qualquer cadastro de inadimplência, fatores naturais em qualquer cidadão que se pretenda apto a assumir um cargo, quer no regime estatal ou nas empresas multinacionais, cujas exigências são ainda mais rigorosas.
O povo, para quem as leis e os serviços são criados é quem deveria tomar a iniciativa pública de exigir que mudanças, como esta, venham acontecer no legislativo, mas um ser magnânimo, em pleno gozo do direito, também poderá fazer este bem a sua cidade, a exemplo de Irai no Paraná: a iniciativa partiu de um vereador do PDT. Sem o respaldo financeiro, fica mais fácil identificar aqueles que realmente amam sua cidade. Esta é maneira mais eficaz de se aferir uma aptidão para a causa pública, afinal a vereança seria o estágio adequado para a capacitação profissional de um político de verdade. Depois viriam os pleitos definitivos: prefeito, deputado, senador...
PS: Em todas as cidades brasileiras existe uma verdadeira legião de homens e mulheres de bem que abraçaria o papel de conselheiro, dentro da verdadeira ética, do amor e da moral, sem exacerbações populares. E pasmem! Sem salário!

Carlos Kahê