sexta-feira, 29 de abril de 2011

Carlos Kahê - produção literária





 
 

Carlos Kahê - Produção Literária

 


Uma travessia para o sol
 
Livro 4 de Poesia
Escrever é uma tarefa mental, disse certa vez, o poeta Dylan Thomas. Em verdade, quando estamos à mercê de uma nova ideia, trabalhamos com a imponderabilidade da inspiração. Os elementos formais, emissores naturais, fundamentais ao processo de criação são o nosso estilo e as nossas retóricas. Podemos afirmar que são alimento, o pão e o leite, que sustenta a energia emanada do cérebro e da alma de um escritor.
Da alma e do cérebro emanam as expressões concretas e as epifanias: impulsos poéticos, inspiração súbita, que vão sedimentar e ratificar a perícia e o senso estrutural de um artesão. O poeta não procura o lugar comum ou a rima fácil, pois que vive ávido por redimir contrários, criar imagens reticentes e multiplicar o conteúdo de cada palavra. Não existe teoria, quando acreditamos nos impulsos benéficos e na emoção momentânea. Poeta ou escritor, eu, particularmente, busco nos artesões dogmáticos as minhas afeições pessoais, pois que entendo a Literatura como uma arte que trabalha com a substância da palavra, que difunde o indivíduo, ilumina um lugar isolado no tempo, busca um rosto sombrio na massa ... É nela (literatura) onde encontro as ferramentas que levam-me a trabalhar pela palavra e não para as palavras.
Literatura não pode ser aquela coisa dura, academicista, sem alma. Literatura é arte e jamais poderá ser teorizada como um simples estigma gráfico. Como escritor e poeta, eu ainda busca o meu lugar no mundo, por isso não vejo a poesia como algo que se assemelha ao gozo numa cópula: poesia é o refinamento das concepções, apesar de utilizar o nosso corpo como moinho; e ainda há os emissores, que são os diversos espíritos que em nós coabitam durante o processo. Tudo isso me leva a crer que, se a poesia incorpora em mim como deleite, ela é mais espiritual do que corporal.
TEMPO PERDIDO
Chegou em certa manhã uma carta comunicando o fim da inocência | Os meus olhos transbordaram de gratidão | O rosto ficou iluminado pela luz divina. Felicidade profusa ... Enfim, conscientizei-me de que havia algo profundo dividindo vastos mundos | E um semblante mesclando tonalidades confusas.
Eu que antes olhava em tudo com tédio e indiferença | Não percebi crescer atrás do seu doce olhar uma pungência suave, uma pungência felina ... Eu, que buscava sempre a ti, perdi a certeza das coisas. O senso ímpio já atuava onde tudo era maquiagem. Eu tolo não percebi. Devotei-me então a contar fábulas. Resolvi construir um íntimo deserto e É para onde vou, quando quero chorar. Fui aquela árvore que recebeu machadadas vigorosas, mas não ficou impassível. Algo dentro de mim ainda chora em silêncio. Quando dei-me por vencido, sem forças para lutar, tombei com o gemido grave dos jequitibás. O tempo seria aquele e passou ... Nunca mais o teremos como imaginamos.
A tua ausência, bem como o teu cheiro, revigoram as minhas flores, alimentam o meu dia-a-dia ... O silêncio entumeceu as palavras. As coisas que não foram ditas transformaram-se em outra coisa, em algo indizível, inexorável. As penas já se soltaram dos pássaros ... Eles agora já se aproximam das nuvens e os seus reflexos estão contabilizados pelas Galáxias.
Acordei de um sonho já esquecido, olhando estrelas e nuvens ... Flutuava perto da lua, quando alguma coisa chegou até mim. Era a parte final de um sonho triste. A beleza passou, como passaram todas as coisas no tempo perdido. Estou escrevendo novas árias. As palavras desnecessárias não preencherão mais o meu silêncio.
Deus, fim de todas as canções
Senhor, eu não sei se Vossa Santidade desce ao clamor dos livros dos homens tristes. | Não sei se reconheces uma única linha, em meio a tecelões e novelos. Permita ao meu coração, um minuto santo. Meu Santo! ... Antes de condenar-me, Abra o teu coração com o meu bom conselho!
Senhor Deus, livre-me do riso bêbedo dos burocratas | Eu sei que os meus quereres não têm domínio | Com paciência, eu tudo suporto, porém a minha esperança é cega e iconoclasta. | Esta palavra exerce sobre mim um grande fascínio ...
O meu filho saiu à rua e foi completamente esmagado | Suas personagens eram ainda tão jovens e cheias de amor e de escrúpulos! | Seus homens de aço foram mortos nas oficinas | Diálogos, temas, narrativas incinerados pelo exército das vaidades... | Um rolo compressor de déspotas absolutos! 
Meu Santo Deus | Deixa-me tocar pessoalmente a sua ternura?! | A minha alma precisa livrar-se das minhas mágoas | Sois Deus, e eu o reconheço, pois que desfilas pela minha rua | És brilhante | pois vejo-o banhar-se na foz em que o poluído East deságua.
Confesso | Fui andarilho nas noites frias de Compostela | Caminhei pelas galáxias do homem feito santo | Santiago | Eu pretendia acompanhar o profeta louco | identificar cada estrela, | guardar os moinhos, | dormir pelos caminhos como faziam os déspotas, como fazia Goya e os seus deuses redivivos, enlutados.
Pombal, marquês, gajo bandido! | Nunca será tarde para o ter ofendido | Por que roubastes 100 anos de nossas crianças? | O poeta sustenta sua voz | Ao vê resgatado o último soldado | retraído, ele se levanta e acorda o sol. | A sua poesia já alimentou as esperanças que viviam iludidas com um indefectível bico de cola.
Senhor, conceda-me a palavra que arranque a maquiagem das mulheres gordas| Conceda-me a palavra gorda que traga a aceitação ao controverso | Um burguês entediado não esquece os seus conflitos | Tampouco se aplica à amargura de um livro complexo |.
Arranque-lhe a armadura, Meu Santo Deus! Deixe-o sangrando à míngua | Seja perverso! | Ensina-me a mágica que faça o homem de ferro sorrir para um verso simples | Quero ver sua língua afiada deslizar pela lâmina suave do meu verso. Esta é a peça alucinógena, Meu Santo Deus. Vaidade ou capricho ... Peço desculpa, Meu Senhor, e me despeço.
 
BODOQUE
Não somos mais tão jovens | Somos liberais esclarecidos | Não misturamos fatos e focos na mesma fruteira | Jamais seremos um quadro sinótico | A vida em comum talvez só nos acompanhe |Enquanto durar o conteúdo erótico. Até lá, compartilharemos o cigarro, a bíblia, bebida, a casa e as boas maneiras | .
O mundo flui à nossa volta |. A minha paciência é sanfona | A minha coerência é boiada | E a vida que vai ser passada no moinho, já se desmorona | Se formos pensar o Mundo | O mundo está caótico | A fauna desordenada. |
As pessoas se matam diariamente |. Elas correm para fazer jus aos seus soldos | Assustadas, parecem se lembrar da vida tardiamente | A vida guardada nas cápsulas de compromissos! |
Quem não estiver do nosso lado, certamente estará em desacordo.  
Quem se mantiver intacto, se perpetuará omisso |. Há aqui o desmoronar-se | Declama o decrépito faquir gordo | O que vem a ser isso? ... Manobramos intenções e não optamos pelo simples. É ridículo, mas quero rir | Sou levado pelo rio das ironias | Rio, Quixeramobim, Woodstock | ... O espelho haverá de quebrar-se e o fantasma estará rindo | A face à mercê do próprio bodoque.
 
ASAS E FOLHAS
Voo no vão do silêncio enluarado | bicando os grãos e as gramíneas que me prezam |
Asas são feitas para dar vazão aos nossos sonhos | ...
Nas ruas de sonhos dos meus sonhos, a beleza das flores é a canção que me enleva.
Beijo a carne dos teus lábios ressentidos | e neles descubro o néctar que alimenta o meu desejo |
Quanto açúcar vivia em mim tão reprimido?! |
E quantas bromélias ressaltam do teu rosto, em cada beijo?! ...
Prudence*
Querida, Prudence | hoje eu saí com o Lennon a brincar |. Por que não fizeste o mesmo? |
Recebemos o novo dia, e quando o sol levantou, o céu já estava azul
Foi tudo muito lindo! |
Seria melhor se estivesses lá.
Querida Prudence | hoje eu saí com o Paul a brincar ...
Abri os olhos e havia prudência em todo lugar |
O céu estava ensolarado, mesmo com o vento fraco |
Os pássaros cantavam com prudência
A prudência deve fazer parte de tudo.
Prudência! ... Por que você não abre os seus olhos fundos?
Eu olho e não vejo mais nada ao redor,
Eu rodo, rodo, rodo ... E nada vejo.
Querida Prudence, queira-me fazer sorrir |
Sou essa pequena criança que não vê nas nuvens, correntes de margaridas
Quero sorrir novamente ...
Apenas faça-me rir de tudo nessa vida.
Venha conosco brincar?!
Não sei se ainda posso brincar com prudência|
Recebo o novo dia ... O sol levantou, o céu está azul
O dia está lindo e você não está?!
Por que precisamos de prudência para brincar?
*Inspirado na canção de Lennon&MacCartney
 O PAINEL DEPOIS DO GOZO
O homem entrega-se ao sexo nas páginas do seu livro | A música dos Stones reverbera pela sala | Uma conhecida canção entranha pela carne e páginas do poema, demarcando espaço, amplificando tempo e compasso, nas idas e vindas da sua ereção.
A companheira está inclinada sobre a juventude | A vergonha escorre pelos seus lindos cabelos | A dúvida se contrai, escondendo seios, entre braços e joelhos | Ninguém socorre a inibição com um bom conselho| Lágrimas e suores sequer foram tocados |
Em frente ao painel imenso, na esquina, após o gozo | Há um confronto entre o prazer e o cruel orgasmo | Tudo está tenso e vulnerável | O amor desceu ao plano menor ... Por questões de princípio, todas as concepções políticas, instintivas, Estão disciplinadas.
O passado sugere virtude | Mas está submetido ao próprio vicio | Maternidade, angústia e vazio ... A menina retorna aos braços do homem | Retornam os Stones. A música reverbera em meio à agridoce fumaça | Autômato, o casal revela as vulnerabilidades pertinentes ao sexo fora da faixa.
PICASSOS FALSOS
Quando o ontem esteve aqui, você não estava
O hoje chegou pontualmente e você não apareceu 
Quando vier o amanhã, venha lhe dar um abraço 
Ele lhe trará esperança e coragem para enfrentar o que saiu do controle 
Sua vida estará no cinema
E a sua melhor parte adormeceu.
Tudo o que disseste no princípio, e não foi ouvido, um dia retorna |
E tu, por que ainda não dissestes ao mundo quem és?! ...
O tempo passa e passará vibrando, como um rio veloz |
Estaremos sem documento e sem Escola |
seremos amêndoas fora da noz | 
Um dia nos ultrapassou o verso reprimido,
O sexo com comprimido,
O Aedes aegypti e o vírus do Ebola! |
Como os seixos do rio que deslizam debaixo dos teus pés |
O seu próprio discurso, hoje, o desconheceria.
As palavras ditas no passado, já o ignoram |
As coisas que agora são ditas, se não tiverem originalidade, aceite. |
Palavras mudam de lugar ou sofrem avarias! |
Elas se renovam com personalidade
Racionalizando a pressa,
As palavras sabem encontrar sua hora.
Por isso, colha apenas o que é seu. |
O que vem por amor é primavera |
O que não permanece conosco não pode ser castigo,
São filhos que damos ao mundo |
e por escolha do destino, eles vivem em paralelos contíguos |
São larvas que buscaram solos mais fecundos.


PAINEL ESPELHADO
Um dia a beleza passa ...
Um dia ela resolve não fazer mais parte da nossa vida |
Os lábios vermelhos, salientes, passarão a finos, desolados |
O que ontem fora belo e instigante hoje está amparado na talidomida.
Pensando no ocaso, foque no orgulho |
No futuro será a nossa mala-de-mão |
A sabedoria será o estojo de maquiagem | ,,, 
Abaixo dela estará uma vida mesclada na impaciência e na ausência de carinho  
Os sonhos passam ou se renovam |
A beleza, quando passa, fecha caminhos |
A arte é se redimensionar dentro do tempo |
Recriando novas embalagens ...
Nem tudo, afinal, nos será retirado |
Restarão os dons | que são dádivas | e requerem muito carinho.
A inteligência é o poste iluminado de nossa rua |
Abra portas e janelas para o futuro |
Solte a mão do passado! |
Ele estará sempre um passo atrás de nós |
O território que ora pisamos é o presente ...
Reconheça-se no painel espelhado |
Chegou a hora de identificar os que fizeram a opção por nós.  
Se não forem reconhecidos é porque já fazem mesmo parte do passado.  
A REVOADA DOS PÁSSAROS BRANCOS
Quantos amores separam a juventude da velhice? |
Há um hiato, no meu peito, clamando pelo amor que não disponho |
Os sóis vão se encolhendo no meu horizonte sem prisma |
Os sais foram recolhidos
E não há luar ou céu bonito, dentro dos sonhos que sonho.
Os rios estão secando no meu coração desértico |
O ouro desapareceu completamente, no meu riso arenoso |
A contar pelas paixões, o meu coração não é tão velho |
É um sino retinindo um som roucamente, doloroso.
A correnteza em mim é o aluvião que não draga |
Por isso, não quero desejos impulsionados com miríades azuis |
Se a poesia só semeia em terra que o amor consagra |
Não quero a poesia moldando os meus tristes e dogmáticos blues.
No meu coração endurecido há igrejas vazias e as intenções são vagas |
Não há batismos ou crismas no tempo perdido |
Palavras bonitas são como a chama de uma vela ...
Quando pensamos que está acesa, até um vento maroto vem e a apaga.
Se um dia o amor chegar até mim |
E eu me deparar com um beijo calando o meu riso franco |
Liberdade ainda que tardia?!...
Eu temo que não haja mais a tão sonhada revoada dos pássaros brancos.
Versos satânicos
Insultar a verdade e ofender a inocência causa estranheza. Eis a alegria amarga |
É como promover uma distorção dirigida entre crenças |
Desejar a justiça social é aguçar a conexão violenta entre as bases |
Justas crenças que vivem obstinadas em assumir o que não são capazes |
Justas bases que aspiram dirigir, mas vivem tensas.
Insultar a verdade é recriar a dependência |
Se optares por viver uma vida devotada à inveja,
estarás perfeito no papel de sujeição e violência |
Se pretendes recompensar as perdas que já não são fugazes |
Por favor, libere a cerveja|
E passe a legitimar as visitas que já são contumazes | ...
Ignorá-las seria sofisticar a imprudência.   
Li no bloco de notas os versos do demônio visitante – os tais versos satânicos!
Vamos combinar que não estavam ali a perfeição das formas congeladas.
As melhores ideias eu as encontrei nos versos inacabados |
No geral não vi sequer resquícios da beleza comentada.
Nunca acreditei na saga do ímpio arrependido |
E o grande problema de uma ditadura
É o incauto esconder-se atrás do poder de quem manda |
O grande dilema da democracia é a messe sonhar que um dia
fará parte da demanda que mal foi consumida ...
A fúria rígida não nos facilita. 
Esta sempre foi a maneira secreta (hoje aberta) de reagir do mundo.


QUEROMEACRE
Católico, Louco, Místico, Peregrino... Poeta, andarilho, sou Thoreau
Por que não posso ser Jack?
Amo, trabalho, sofro, sou um selvagem ... Sou caboclo rude, Latino,
Escravo emancipado Ignorando a liberdade desse nova vida
Por que não posso ser black?
Não abandonei a postura latina de amante. Sou romântico, Sou cafona
Abuso muito das vogais. Escrevo os meus protestos ignorando as consoantes,
E se de repente eles decaem? ... Tornar-se-ão Ladinos, obsoletos, ineptos, dormidos, atemporais ...
A vida é a chuva que me amedronta. A chuva é a vitrine que me traz bicos
Olhando a minha posição no tempo. Nada me consta!
No teatro do mundo, sou o escravo que ainda vive ralando por papéis atípicos.
Nada fui ou serei neste inverno equinocial: cavaleiro intrépido, vivo detido.
Tenho um filho que não me beija, devido aos meus bolsos varridos
Costuro a própria roupa, modelo os meus belos sapatos,
Mas não consigo escrever um reles destino ...?!
Ave, mãe cheia-de-graça, acolhe-me.
Abraça-me! ... Antes que a morte o faça!
O mundo abriu, mesmo, mãos de mim.
A vida encolheu-me!
A vida desprezou-me!
Soltou-me entre os joios ...
Se Deus me desse a graça de escrever alguns versos, eu os encheria de dor
E do caos dos desocupados.
O mundo é perverso!
Amar Trabalhar. Sofrer ... Eis o que sobrou para mim!
Neste circo está todo o meu legado.
Andei por todas as ruas da América, solitário, perdido, entre tantos rostos felizes.
Percorri todas as estradas do mundo, cheguei a ver a luz noturna do arco-íris!
Eu quase a toquei! ...
Pela força da iluminação sagrada, como encanto,
Afora as almas. Afora os bodes. Afora os porres e os grilos, ninguém sabe o que passei.
Não fui aceito no mundo. Há descaso mais descabido?!
As minhas placas agora já se desmoronam.
O tempo cozeu suas cores, enfim tiraram-me da redoma.
Queromeacre! ...
Antes que a voracidade dos glutões arrependidos aterrorizem a minha poesia com o massacre!
Antes que o cinismo e a ironias dos fracos me resguarde entre as madonas.
 
MULETAS
Carrego na cabeça as pedras e os tormentos do mundo
Aquilo que só a mim pertence está no meu coração.
O que pretendo conhecer, encontro nos livros,
o que ainda está por vir vive adormecido na razão ...
Se vamos ganhar, vai depender da maneira com que buscamos.
Muletas não são ganhos que pedimos.
Levantem-se!
Elas poderão tornar companheiras inseparáveis.
Cuide de evitar maiores danos
A negligência acolhe perdas irreparáveis.
O mundo e o desmundo operam mesmo é debaixo do pano!
 


                                                                                                                                                                                                                    T.S. ELIOT
A crueldade de maio fez a terra morta germinar flores
e o desejo simples agir como dono, arrancando o néctar pelas raízes. |
A crueldade de maio fez a terra morta germinar flores
e a chuva ensolarada do outono recobrir o nosso amor, com flores de açúcar|
E a natural convicção de que somos felizes.
Quando vier o inverno e o vinho tinto nos embebedar,
cercando-nos de todos os lados,
Serei o frio que espera lamber suave as suas terras.
Serei o sol que entregou ao verão o raro diamante, do passado
Serei a estrela que suprimiu das quatro estações, a Primavera!
Serei o vinho a nutrir os tons secos dos teus versos
Serei o riso que reacendeu a vida com a alegria incontida
Serei a natureza que extraiu da música, Vivaldi! ...
A genialidade de suas harmonias,
O preencher, com as Quatro Estações, as nossas vidas.
RUAS DO RIO
Quando o verão nos impõe dançar,
Ele convida os corpos a se levantarem e a caminhar pelas areias ...
Quando o verão nos impõe dançar,
Ele nos convida a colorir os parques com a nossa alegria,
A embelezar as praias e a encher as canteiras de lua e de cerveja.
Em fevereiro, quando a aura das ruas já estiverem enamoradas do carnaval,
Diga Adeus à melancolia! ...
A aurora dos homens já se apaixonou pela boa imprudência
E as ruas do Rio retornaram às clássicas e irretocáveis poesias.
ITABUNA. PEDRA DE LUZ
Dia frio, céu azul, sol brilhante ... O sol ilumina a cidade, radiografando o rio, expondo as pedras ...
Expondo as águas que se espalham como fragmentos de diamante.
O rio nos embala com sua canção distante ... Estou sentado num banco de madeira.
Estou isolado, eu vivo desolado, em frente as águas.
Faltam-me palavras para compor a cidade que se desenvolve através de mim.
A cidade que atravessa a outra margem | e que me leva a pensar no passado |
Quase por milagre ... Sou parte desta claridade!
Sou parte desse vento que agita o rio
E desalinha os pássaros.
Sou peregrino abrigado sob essa abóbada de intensa luz,
Luz poderosa, dominante ... De repente, o banco vazio que está olhando o parque |
Sou a lua que olha a cidade e admira as casas ...
Pedra de Luz, eu vi os poetas escreverem o seu destino!
Eu enterrei os mortos que levaram adiante o seu traçado |
Sozinha, te vejo se auto reconstruindo ...
A cidade vai ganhando altura. Nas alturas ela vai soltando a mão do passado ...
Pertenço a esta cidade, a esse emaranhado de ruas
estreitas, ruas longas, sinuosas ...
Ruas que arrastaram destinos,
ruas que alcovitaram amores,
ruas que presenciaram beijos e crimes
e silencia sobre o passado enterrado em terra de sangue e suores.
Em pleno meio-dia ... Os sinos ansiosos anunciam a Consagração.
Imagino os olhos dourados da Virgem Mãe,
a santa que me protegeu e me abraçou quando o meu leito era o vento.
Imagino os seus olhos dourados guiando homens, mulheres e crianças aos seus assentos 
homens que chegaram desnorteados,
ávidos do calor e do verde desta paisagem
Ávidos de sua história, alimentados de instinto e coragem
Ávidos de pertencerem ao somatório de valores e de brios
as mãos de calos marcados em cada pedra do rio
homens que se dispuseram reconstruir essa admirável Rosa do Tempo.
QUALQUER CIDADE II
A cidade dorme oprimida pela sua história. A história se esconde da cidade, com vergonha do seu passado ... Ruas da Quitanda, Assembleia, Lavradio. Funileiros, milicianos, senhorios, chafarizes, cortiços e sobrados.
As ruas estão oprimidas pela violência e as pessoas deprimidas pelas próprias desigualdades
Homens nascem, crescem e morrem sem suas casas.
Sobrevivem, empilhando amarguras em cascas de ovo amassado
Nasci no Estado-novo,
Nasci queimado como os livros,
Nasci proibido como a literatura,
Controlado como os pensamentos
Viverei sempre marcado,
como um Adão negro 
A cada dia um novo pecado que enfrento.
Na arquitetura de hoje as casas não comportam os inquestionáveis tormentos.
Na arquitetura de ontem, em que lugar das casas se alojaram os meus antepassados?!
 

 
Porta de saída do paraíso
Algemas encerraram-me neste mar sem horizonte.
Minhas mãos sangram sobre o pano limpo
Você desnorteou minha vida!
Sou o filhote vestindo pele de bicho,
Desgrenhado, lívido, desabrigado em plena tempestade...
Caim fugindo da presença de Jeová.
Alma de passarinho
Agua nativa não é natural; nem pertence ao lugar em que nasce. Bastão do imperador jamais viu um imperador de brotoeja. Fruta-do-conde não reconhece um conde, desde que Cancão de Fogo os dizimou numa peleja; e a bomba que trabalhava de graça virou relógio com fios explosivos e brincos suicidas de princesa.
Queria plantar jasmins, mas não existem jardins nesta cidade! A boca-da-noite não usa batom | se muito, o cachimbo natural de um preto-velho. O rio agora é o tempo secando no tempo. A lua são os olhos da deusa abençoando os amantes; nada mais, aqui, passa debaixo da ponte ... A ponte nos liga ao nada. As águas-vivas não têm mais vida! ...  Plásticos na água matam os répteis! E isso não é um conto de Fadas.
Lagarta vermelha pode ser uma carrilhão serpenteando os montes. Os elos foram partidos, os acordos foram rompidos, os anjos estão caídos e os poetas estão fodidos! ... Meus santos Carlos, Pessoa, Bandeira ... Não tive Papai Noel! Ajude-me a encontrar as palavras que caibam nos meus versos! Brigar com palavras é a dança mais cruel.
Ajudem-me a encontrar aquelas que doutrinem os tolos na política. Presenteiem-me com versos que alguém possa citá-las de memória! Conceda-me palavras que facilitem a boa-vontade dos moleques, que se mostrem fluídas nas páginas levíticas, não Leviatãs juntando elos de coincidências, e que resolvam ficar para a História!
Poeta que não sonha é um poeta triste.
Poetas, levem-me, além da cacimba onde o sol poente põe os seus ovos!
Levem-me para o oriente além, muito além daquele lugar que não existe,
O povo vive dentro de uma “Ola!”
Levem-me aonde o dinheiro não pode ir
e que lá eu encontre bastante amendoim, lantejoulas, flores, cervejas e bandeirolas.
Levem-me aonde os homens não joguem sonhos e ética na lixeira
Onde as crianças observam os movimentos práticos
e os condutos sugeridos pela nova escola!
Levem me onde tenha leitores! ... Isso deve ser longe.
Levem-me aonde o dinheiro não queira ir sozinho,
e quando resolva voltar, volte com pimenta de cheiro,
cravos, licores e um pergaminho...
Tragam-me bolo enorme de batata, pão de laranja,
mostrem-me a estrada, os violeiros e os moinhos.
Digam aonde eu possa livrar-me dos versos cansados, penteadinhos,
dispostos a matar a alma da poesia.
Cansei-me dos versos floridos, arrumadinhos ...
Esta velha cigana, a poesia, deveria ser mais franca,
impontual, sempre e mais irônica!
Talvez destinasse seguir caminhos aleatórios
Quiçá, abandonasse a fase daltônica
Colasse as almas dos homens às dos passarinhos.
Depois, meus poetas, os senhores podem me trazer de volta.


INDhiRA
Felicidade é algo que decidi, por princípio.
Decidi ser feliz e me presenteei com a felicidade
Doei-me a mim mesma, como bônus e não vejo onde existe fardo, quando me assumo.
Não há por que negar que sou meu próprio dono amando o que faço. 
Inconscientemente estou gerindo-me, me preparando, como preparo a massa de pão ou brigadeiro ... 
Trabalhando naturalmente a rotina dentro do meu tempo, acompanho as transformações que vão se processando sem itinerário ou roteiro.
Repartindo as réstias de luz,
multiplicando as gêneses, acendendo a luminosidade dos pessoais canteiros.
Repartindo, eu dou sentido a muitas vidas,
Encho de cores a minha casa e de vida o meu-dia-a-dia ...
Eu me vejo sentada à mesa de minha graça!
Se em cada esquina, alguém pensa em desistir...
É que a coragem se ausentou e a dúvida se tornou companheira inviável.
Trivialidades já não me contentam!
Sou a aquarela me auto colorindo e a rusticidade fechando com o que é inefável.
Enquanto os meus os olhos abrirem, vou sorrir!
Resolvi que devo rir de tudo!
Vou sorrir, e esta minha condição, em qualquer situação, não é pecado.
Riu das minhas proezas, riu dos meus absurdos ...
Estando feliz, riu de mim mesma.
Rir é o bem-estar com o qual estou fechada.
Sou uma pessoa feliz pelo atributo das coisas que guardo.
Todos os dias eu abro o meu cofre para usar o que tenho.
O que ainda não pude alcançar, colherei nos bons livros.
A saudade muitas vezes traz as lágrimas boas
Lágrimas das lembranças do que foi essencial ...
Como disse aquela criança, Saudade é o amor que fica.
Nada vida nada acontece à toa ...
As coisas simples são imponentes e não há o que lhes equivalha ou seja mais belo
A simplicidade está nas bolhas de ar, quando nos parece distante,
E são tão simples que podem ser a simbologia dos pequenos dons que não revelo.
Quando eu fechar o meu extrato, como resultado, guardarei as boas influências
Amando a mim mesma.
Amando a minha própria companhia,
E concluo que Eu reunida a Mim,
somos cúmplices indissociáveis
E são cúmplices aqueles que estão no mundo amando a esmo.
Se quero a felicidade por princípio, o caminho é o trabalho.
Com o trabalho eu traço o meu próprio norte,
Não sou de iludir-me com a grande-sorte.
O mundo é falho! ...
Mas foi ele quem ensinou-me que as coisas medidas pelo meu suor
resultam no tesouro em que eu sei que muito valho!


Como folhas ao vento
A canção de nossa vida, o tempo não apaga
É refeição da alma e do espírito
É o alimento que sustenta a nossa casca.   
Essência da vida –  sabor, sal imaterial, ternura,
Ervas, especiarias, azeite, vinhos e versos ...
Nas ruas, caminhando sob copas de árvores
Sou surpreendido pelo sol que se espalha sobre casarões antigos.
Saúdo flores e folhas que caem à minha volta
A minha rua cruza um país. Cruza o universo reunido no riso dos amigos.
Eu distribuo segredos, como quem ama ou sorri
A página rasgada, os versos ao vento se depuram
Drummond veio até mim, do jeito mais natural,
Como dois carinhos que se procuram ...
A poesia passa,
Eu passo pelo relojoeiro isolado, num cenário indômito
Ele não me vê, eu o vejo abandonado ao ofício de reordenar o compasso do tempo,
Atualizando reminiscências de um fragmento mecânico.
O padeiro mistura graça e farinha na simbologia dos seus pães
Marceneiros, pedreiros, carpinteiros, religiosos, ricos e pobres
Correm pelos seus honorários
O jornaleiro anuncia o mundo!
Ele ri de tudo, ri o seu riso confraternizado,
O seu alimento paira acima da fome,
Devota-se a cada amizade construída em seu itinerário.
Poeta ou escritor,
Eu busco nos artesões dogmáticos as minhas afeições pessoais.
Poesia é arte que trabalha com a substância da palavra,
Que difunde o indivíduo,
Ilumina um lugar isolado no tempo,
Busca um rosto sombrio na massa ...
São retóricas, alimento, pão e leite, que sustentam
A energia emanada do cérebro e da alma ...
Que o poeta vai semeando por onde passa.


 

Ofertado do nada
Quando a noite me trouxe o sono, ele já chegou pelas mãos do sol
A cabeça fez a varredura nos pontos cardeais
Deixou-me no meio-leste,
Perto do inferno.
É difícil conjecturar a vida, quando não tiramos os sonhos do caderno.

 

 Wave
O poeta tece a onda de sonhos e louco é quem surfa na crista do tubo de ideias
O poeta tece a casa da ilusão e convida o louco para comandar o tear.
Sem tino, o louco confia no poeta
Sua trilha passeia sobre as linha riscadas em seu desenho
Completamente louco, completamente criança,
Eles escrevem um livro repleto
Das mais claras e visionárias invenções.
 

 
Deustoievski
Dostoievski desenhou uma cruz nas entrelinhas do seu legado.
Sujeito estranho, ele deixou o coração de lado,
Quando resolveu abrir em sua vida espaço para Deus.
O deus de Dostoievski foi um deus sem amor ceando com Hitler!
Mas foi puro e criança, como cabe somente a um deus...
Na paixão, ele enxugou as chagas nazistas, feitas de pasta de amora?!...
O deus que participou ativamente de sua dívida foi um deus valente
Foi um deus que revelou um discurso com martírios...
Um deus, desses que jamais fariam parte da nossa história.
O deus de Dostoievski foi um deus desnudo, sensual...
Ativamente atípico! ...
Esqueça o deus leal, carente, feito por um gênio.
Os deuses de Dostoievski foram deuses orgulhosos,
Apaixonados!
Geralmente atormentados, impuros, místicos e sem glória!
 
 Caixa de segredos
Aquela paixão, que eu pensei não fosse paixão veio hoje me dizer que eu estava enganado.
É paixão mesmo! ...
A minha dignidade limitou-se a um abraço
Um misto de confusão e de euforia.
A confusão que apareceu no meio do abraço,
que o outro lado, atende por gratidão
A paixão que se desenvolve no silêncio, não pode ter voz.
Mas tem medo! ... Aquele que vê o seu amor rejeitado
Aprende cedo a resguardar a impulsividade
Numa caixinha de segredo.
A Ilha
Mãe, eu estou apaixonado pelo amor!
Nunca mais repita isso! ... Rebate minha mãe.
Amor sofre de banzo!
Amor é aquela coisa bovina, tristonha e mora só numa ilha.
Meu filho, nos corações não há vaga para todos.
O Amor pode até bater em nossa porta
Mas é sofisticado.
Amor precisa de requintes e somos média
A média do povo, por não ter requinte, o amor maltrata.
Por isso ele vive só.
Vive encantado! ...  Vive fugindo dos perigos dos relacionamentos ...
vive na sua aparente calma
Não ouse se aproximar dele!
A desilusão o agredirá e pode até ferir sua alma.
 
 Arte e cumplicidade
Inspirações, ideias e angústias, quando batem, batem sempre de madrugada.
Nessa hora você dorme.
O amor, então torna-se um pêndulo oscilando entre dois estranhos.
No meio da noite, naquele instante em que estou passional,
Você é suicida. Eu estou desolado,
Amamentando paixões recém-nascidas.
Cumplicidade não se impulsiona pela energia carnal. É vida!
E como tal, suscita vitalidade no discurso.
O que é necessário para duas pessoas completarem um percurso?
Caminhar com quem tem idêntica vitalidade, não é paixão,
Paixão é dividir-se com o que lhe é diferente.
Caminhar com quem alimenta a essência dos seus sonhos é arte!
As almas gêmeas dispensam tempo, espaço, motivo
Sufragado o elemento sensível,
A própria arte celebrará o pacto sem pacto!
Se entenderam que é amor 
a natural fagulha assumirá a culpa, com o auxílio
De todos os pecados e artefatos.
 
Avisos banais
Salve a água do Planeta. Devore suas próprias ideias. Selecione primas influências. Beba suas escolhas pessoais... Na perseverança de grandes vantagens, arquive sugestões de ombreiras
Feche passagens e portas. Abra algumas janelas para sua companheira. 
Não conte os teus segredos ao corvo ... Never more!
Arrombe portas, vá viver em seu cantinho
Não deixe as vicissitudes cuidar de suas botas
Deus errou demais com tantas linhas tortas
Evite contar segredos que o próprio Deus não soube guardar sozinho.
Não se fazem mais deuses como antigamente!
As gentilezas caem aos poucos e, por pouco, as sutilezas não estão mortas.
A vida não caminha mais para a frente, desde que as frentes políticas viraram-me as costas
A minha generosa aspereza sofre com a rutilância de suas insinuações
A inutilidade começa hoje o seu plano de aborto
Vivo ligado. Porém o mundo está eletricamente absorto ...
O gado aprendeu a caminhar sozinho
Nietzsche foi morrer sem carinho
debaixo das barbas de Deus
o mesmo o Santo Velho que ele teria visto dormindo no horto.
 
 O Poeta mente
Minto para confirmar que minto. Entre mentiras e verdades o lacre é uma casca de ferida. Quando os meus olhos trabalham, nem no tempo vazio eu descanso... Minto porque sou poeta com autoridade de recriar a vida. Se eu fizer conta da verdade, terei de recriar o mundo, conjugando com a imundície.
Por isso, minto! ... Se existe alguma beleza em meus versos ela estará sorrindo na superfície.
A minha poesia não merece o seu tempo, se não estiveres encantado com o que minto.
Minto nas frases, minto nas metáforas e imagens... Minto!
Minto, porque o lirismo é puro e não pretende ir ao fundo do que eu realmente sinto
Minto porque a sinceridade não é evidente.
A verdade fica nos entressentidos, nos intramuros,
Carrega uma bagagem muito grande, porque a dúvida estúpida exige toda a verdade.
A mentira é sempre fluída... Não tem países, mas tem futuro!
A mentira lírica é diferente da mentira retórica que passa de língua em língua,
e vive sem fronteira. Transcende leve, profunda, bela, filosófica, estradeira...
Se falasse a verdade passaria a dar explicações ao mundo.
A verdade não é dona da verdade, mas exige esta infâmia, do simples ao mais profundo.
 
Flores afetivas
Um dia eles apagaram as luzes de todas as esperanças.
Queimaram livros, fecharam bibliotecas, calaram poetas e escritores.
Quebraram as lâmpadas de nossas mentes,
Rasgaram os filtros dos nossos corações. 
O poeta maior lamentou: “E agora, José?!... A festa acabou!
O medo nos dividiu, o bem do bem se afastou e o povo isolou-se em frente às tevês. 
A ilusão gritava a cada intervalo de novela: “E nós, aonde vamos?”
Dádivas vestiram-se de dúvidas, esperanças travestiram-se de incertezas,
Febres acalmaram temperaturas e a ternura calou fundo em minha beleza.
Restou-nos o quadro nu da utopia,
Despiram os pássaros cativos...
O pão dormido mofou sobre morangos, flores ressentidas secaram,
choraram distante dos nossos ombros,
Sem cores e sem bandeiras ... Sem esperança!
E por encanto, sem nenhuma insinuação de dança.
A cultura sofreu uma ruptura. morreu sobre o impacto
da perda do perfume das flores afetivas.
Wake-up!
Depois de um sono profundo, a juventude retorna às ruas.
Ninguém poderá mais queimar as suas inquietações,
Serão nuvens anunciando chuva ... ?!
E que tornem esse torrão seco em verdes salões
Sem cordialidades, mas sem ferros,
Sem as abelhas astutas a sorverem os favos da realidade notória.
Sejamos formigas a abrir caminhos
Para que esta nova geração possa escrever a sua própria história.
 
Mestres
O meu espanhol está enferrujado. O meu inglês cansou de me fazer carinho
Assim caminha a humanidade... Os grandes mestres são conduzidos até uma faixa de tempo,
Depois são deixados na estrada, como uma página que se soltou de um livro antigo.
Como os poetas,
Os mestres não sonham a sós,
Na busca dos seus sonhos, eles estão sempre nus!
Vestidos somente dos seus sonhos
Amam o que ensinam, de verdade...  E tudo aquilo que amam,
Eles se acostumaram a amar sozinhos.
Mora na filosofia?
Fé resulta do acolhimento à palavra bíblica. Caridade é colhida na fé.
É aquela coisa cíclica: palavra, fé, amor, caridade...
As sementes da caridade são germinadas no amor, 
E no pé deste roseiral pousou a esperança do amor fraterno.
Eu já posso ouvir o canto da felicidade...
Mas amor que faz rima com dor está sangrando
Nas portas do inferno!
Discurso em desuso
O jovem de hoje é alienado?!...
Ouço dizer que ele não reconhece em si mesmo capacidade,
nem sabe explorar a beleza do ser humano.
Dizem que ele se protege, quando pretende se distanciar dos mais velhos.
É como a Ditadura que se protegia de quem ela mesma torturava...
O jovem de hoje crucificaria a Deus, por não conhecer sua importância.
São feios, quando expõem sua expressão de vazio
Não são generosos, nem leais...
São lindos quando se agrupam em torno de ideais que não são doentios.
Solidão
Hoje de manhã, quarenta anos... Eu e o meu espelho.
Ah! Existe espelho?! Eu que o havia esquecido!
Hoje de manhã, quarenta anos, mais maduro e comedido
Hoje de manhã, quarenta anos...
Quantos crimes cometidos?!
Quando de manhã se retirou e eu nem vi o vulto que ficou comigo. Não o conheci.
É sempre assim... Os corpos se ardem à noite em fogueira,
Vem a madrugada qual geleira e gela o meu coração
Hoje de manhã, quarenta anos,
O espelho me pergunta se acredito em solidão?!...
Quanto Valemos?
Fraquejaram e rasgaram a carta branca. As tais conquistas que eram nossas, além do carnaval.
Conspiraram e nos deixaram a corda-bamba. Roeram a corda do lago fraco, do lado pobre...
E o Lago Sul?!
O que querem mais de nós? ... Se evadirem não estamos sós.
Te confesso não assimilei o seu recado: não tenho trabalho, não estou seguro, não tenho vida
Como pagarei meus compromissos tão diários?...
Todo dia tem feijão, todo dia tem sabão, todo dia tem tortura e solidão.
Ah, se o teu farol iluminasse a tarja escura que nos cegou!
Ah, se se um amigo seu comprasse a dentadura que nos restou!
Tô ralano, batalhano... É a nossa língua incorporada ao nosso caos. 
Corro atrás, vendo o peixe, suando a camisa são ideias de ganhar a vida. 
A sobrevida!
O pão dos indian-boys?!...
Isto não é fotografia. Isto é fato! Isso dói e como dói!
Quantos somos neste cacho?
Quanto temos em nossas mãos?
Quanto valemos mais que os pássaros?
Que os ricos trapos de Salomão?!
 

BOM DIA!

Bom dia, menina bonita!
Do ponto de vista sonoro, a minha saudação seria o nada oco,
Do ponto de vista emocional, uma chama queimando da mão ao pescoço
Quando parti, tornei-me um laivo indefinido
Aquele passo mais longe para o desespero,
Aquele passo de volta, a anunciação
Aquele passo na rua sem uma flor nos meus canteiros
Aquele passo mais ao oriente, em atitude de indignação
O amor e o ódio são partes integrantes de uma mesma célula
São estados opostos da amêndoa coabitando a casca
Dois hemisférios sustentando a galáxia
A face ensolarada, o amor, a vida,
A face sombreada, o ódio, a morte
Bom dia, menina linda,
Ainda não sei que parte da amêndoa eu morderei.


 

 

EU TE AMO

Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo, eu te amo, eu te amo ... Euteamoeuteamoeuteamo ...
Esta ode não pode existir subliminarmente. O paroxismo precisa ser ressaltado
e ressaltado no presente.
O presente é o ópio dos dias que caminham poderosos sobre mais alguns dias à frente
 "Bom dia!’ 
“Faça-me o favor” 
“Desculpa-me”
 "Tô de saco cheio são portas de saídas
Além das entrelinhas está subentendido que nos obcecamos por um outro amor.
Indômito, com contas sem pagar,
E o oficial em nossa porta.
Dizemos "Eu te amo" quando queria abrir sua jugular
Mas, diga, Eu te amo! ainda que a veja caidinha, morta
Eu te amo
Estou saindo,
Não sei a que horas volto ... Bem, até onde sei, o meu relógio quebrou.
Se o homem não descobre resquícios de virtude dentro dele.
Ele se tornará escravo.
 

 
Poesia de vento
Ela veio ontem à minha favela
Mas não molhou os pés
Deus sol lavou o rio
Saia vermelha,
Sombrinha amarela
Aros dourados
Estação de aquarela
Ela acendeu a minha vida
E até a janela do sol abriu
Ontem ela entrou na minha vida
Ladrilhei em ouro a minha rua
Plantei uma cidade ...
Ela não atravessou o rio
Quando entrou em meus sonhos
Pisou os jardins do barraco
Fez lume dos pássaros dormindo nos fios
Ontem o amor invadiu o meu espaço
Poeta, filósofo, malandro ... pintei de azul os cadarços
Pus mel e limão nas águas do rio
que lindo, ela iluminando as ruas da favela
 eu cavalheiro, ela a mais bela
Ela princesa, eu pobre gentio
Mas ela não posou no meu barraco
Cavalos de sol ...
Águas do tempo
Poesia de vento,
Cavaleiros andante, companheiro hesitante. Moinhos... 
 Ela não atravessou o rio.

Realizar-se no outro
Lá se vão onze anos,
O que era para ser apenas um fast-foda!
Mas como sabe fazer bem a poda de minhas flores
E das ervas extrair os meus licores,
sal, angustura, e uma pura mistura de gym com soda
É bem diferente seu arroz oleado e o frango com azeite
Chego a me perguntar se não houve macumba
Reza brava para ter o meu aceite
E que dure até eu me despertar da meditação.
No segundo dia fechei os olhos para os riscos
No terceiro conheci seus molhos e o seu aprisco
E mais adiante, já havia um lago azul em meu coração.
O dom de me fazer sentir feliz e bem, agora
Principia na liberdade construída além de horas
Tijolo por tijolo, num desenho de atração.
A consciência livre de fazer o que de melhor me afeiçoa
E o prazer de proporcionar o impossível,
Movendo os seres eternos
É o que de mais nos parecer incrível
É a realidade de me realizar noutra pessoa.


Boa pergunta
Quantas ruas cabem num GPS?
Quanta gente passou e a gente não esquece?
Quantos ais se calarão em minha dor...
Quantos sinais explodem num satélite?
Quanto de ar se espalha pelas hélices?
Quantas informações se chapam num computador...
Quantos caminhos cruzarão o meu destino?
Qual é a energia que move o meu ciúme
Quanta sorte lesou meu desatino
Quantos desejos silenciarão em minhas vontades
Qual o peso da felicidade em minha emoção?
Quanto de amor existe no meu amor...


BANDEIRA, MEU REI!
Quando ontem adormeci, havia alegria, rumores de vozes, cantigas e risos ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei e vi que todos, deitados, dormiam profundamente...
Não havia mais vozes nem risos, apenas balões passavam errantes, silenciosamente.
De vez em quando, o ruído de um bonde cortava o silêncio como um túnel onde estavam os que havia pouco dançavam, cantavam e riam.
No longínquo céu, vi uma estrela luzindo.
Estrela de uma vida inteira.
Bandeira pousou sua mão na minha mão e saímos a passear.
Estive com dona Santinha, dentuça e míope, a chorar uma dor com estribilho, a dor de todas as mães na doença triste do filho: febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos...
No fim da tarde daquele domingo, Bandeira tomou o trem de ferro e a doce tarde, de tão mansa, esmoreceu.
Pediu café com pão e eu senti o meu coração tremular. – Virgem Maria!... Que foi isso, maquinista?!
Depositei a pilha de livros na estante.
Com uma profunda e longa esperança vejo-o cumprir o seu suspiro de extinto gozo.
Meus dedos marcam a poesia “Felicidade”, do último livro que folheava. Bandeira se foi, como um trem de ferro;
Voando como fumaça, correndo pelas cercas, como os pastores e os rebanhos de carneiros, fugindo ao sol, buscando oitões, adros hospitaleiros.
Foi como pássaros em seus reinos, em cuja paisagem de grandes árvores dormentes, cambiantes, sutis, de tonalidades fugidias pintavam luas cheias, serenas, puras, como uma hóstia de luz erguida no horizonte.
Fugiu como um bicho, pelo riacho, suplantando pontes, postes, pastos, bois e boiadas e galhos de ingazeira.
Não fiquei triste.
Deu-me vontade de cantar, pois sua alma fugiu na brisa...
Ao longe, os sinos de Belém exortavam a minha paixão;
Não aquela dos suicidas que se matam sem explicação
Mas daqueles que se libertam para sempre da alma extinta.
Foi-se embora, o meu poeta!... Foi depressa, foi correndo... Foi na toda. Não levou ninguém consigo.
Foi pra Pasárgada.
Lá, ele é amigo do rei.


O Encantamento das águas - um apanhador de imagens
A minha imaginação vive uma sentinela silenciosa pelas águas
Sou um mortal perdido, imóvel, a meditar o mar...
Justo ele que me amedronta e me aterroriza
Por que me encanta e me faz carícias o mar
Simplesmente, paralisa-me.
Põe-me distante, conduz-me para o extremo limite da terra
Se a terra me traz confiança
As águas são encantamento
Darwin viu dois monstros nadando, serenos,
A menos de um tiro de pedra de sal
Nadavam aqueles animais à espreita
Disfarçados entre ramagens perdidas pelas águas...
Ao anoitecer, o capitão Cook viu uma coisa que supôs rochedo,
Mas era um monstro das águas
Criatura viva, vivendo no profundo encantamento.
Estirada como um promontório, entretanto, era um monstro.
Um monstro que dormia e se movia como um rochedo à deriva
As suas guelras bebiam e expeliam o mar inteiro
Por que viajantes, homens, lançam-se aos mares?
Para tirar das baleias-cavalo os ossos valiosos de seus dentes e
Presenteá-los ao rei?...
Mas eis que atraindo o sol, as baleias surgem com outros monstros marinhos,
E de suas bocas abertas levantam-se ondas
Capazes de transformar em espuma o mar a sua frente
Em seus esguichos repousam todos os arco-íris do mundo
E assim,
O que se fizer chegar ao alcance do caos da boca do monstro
Sejam animais, navio ou pedra,
Ele os engole com sua boca imensa, malcheirosa!
Engole como se fossem carpas marinhas
Também os homens vão sendo aninhados em suas barrigas
Onde dormem profundamente, perdidos de seus navios.
As riquezas prometidas ao rei, jamais chegarão às suas mãos.
E os seus desatinos não se completam...
O que açula outros homens a pensarem em enfrentar o mar?
Seriam os desafios dos seus próprios limites?...


A PABLO NERUDA
Sempre que a saudade cresce
Te invento inteiro e te tenho.
Caminhas ao meu lado no amanhecer dos meus sonhos
Quase a tocarmos o silêncio sonoro da alvorada,
Da qual já faz parte a alegria da multidão dos seus pássaros alguns dos quais já aprenderam o teu nome.
O Japim – pássaro preto de bico encarnado
Conversa contigo em idioma que só o reconhece
Aqueles que já atravessaram o tempo...
Faz tempo, você nem lembra,
Caminhavas, ao lado do nosso poeta santo
Pelas areias de Punta de Tralca
Por cujos penhascos subiam as mãos de espuma do Pacífico,
Até as pedras de Isla Negra...
Em Isla Negra você falava de tua infância
Recordavas o céu de Parral,
O Liceo de Temuco, onde escrevestes os primeiros versos.
Comigo ainda conversas quando te chamo através das páginas de seus cancioneiros.
Tua voz não mudou.
A eternidade não pôde contigo.
Na transparência radiosa do espaço alça voa uma garça
Asas de paz!... Comentas acompanhando o voo.
Estes são momentos inesquecíveis, amorosos,
Que nos acompanharão pela vida.


O Insondável

Quem já não se pegou pensando em como deve ser do outro lado?
Um chão de estrela separando o abismo das lembranças?
Um cenário sem ruas e sem flores
Sem rugas ou qualquer dança...
Não sei viver sem desejo,
Não sei viver sem destino, desatino ou esperança...
Como deve ser do outro lado?
Não sei ficar calado a pensar no passado
Sem os pássaros do dia-a-dia
Entre jardins de cerejeiras
Sem criar as melodias
O que farei de minha poesia?!
Sem uma casa cervejeira...
Morrer é viver submerso no mais completo reduto de solidão...
Se pesar a minha escolha, quero ficar.
Pelo muito de humano que ainda há em mim
Por entender que a passagem é algo medonho
Por não saber decretar o meu fim
Por não saber viver sem sonhos.

Implosão
Há um minuto o hotel estava ali intacto
Num piscar de olhos se fez nuvem com um impacto
E logo estava no ar somente o pó e as suas lembranças... Quantos homens correram nus?!
Quantas mulheres correram loucas?!
Quantos segredos congelaram em nossas mentes, em nossas bocas...
Amanhã suas histórias hão de voltar.
Elas são pimenta, e não são poucas.


Amorosamente
O fogo irrompe sobre as peças de lenha
Ardendo sob o comando de uma simples fagulha...
Em meu pensamento
Já não são mais elementos, mas criaturas entregando-se,
Consumindo-se,
Alucinantemente em brasa pura...
Os elementos que compõe o fogo
Arte, pureza e ação invocam a magia da beleza
E assim as lenhas se desvanecem
São seres humanos transubstanciados
Que ardendo olimpicamente se entontecem...
Na centelha do amor alucinado
As pétalas de fogo se abrasam sem comando,
No mundo não há jamais quem os apague
Em estado de carne ou lenha em que se revelam
Há caricias entre o fogo e a areia se queimando...
Desfeitos em brasa, cinza e fumaça,
O amor retorna ao puro estado de semente
Os corpos exaustos caem desvanecidos
Um filme passa...
O vento vem apagar o fogo das lembranças
Em fagulhas de amor des/seduzidos...
A mente voa a lugares que só a mente alcança.


Distância

Quando chegares e não me vir chorando
Saiba que te esperei tanto e não me cansei.
Que te direi, da angústia que é deixar este lugar te amando
Sabendo que não vais me reencontrar... O que farei?
Aquele último beijo teu cheio de lágrimas
Vou morrer dele lembrando.
Não sei como ocultar a sombra imensa
Que por aqui divaga
Da sala à despensa, imantada
Emanada de tua memória...
Como eu queria que a tua imagem se consolidasse
E impedisse que eu me retirasse...
Como eu queria que aqui estivesse e não me deixasse ir
Que me eternizasse na tua história!...


Amor sem alegria


Hoje está ventando em nossa casa
A chuva fina desliza sobre os livros
Preciso de um piano
Preciso transformar-me em recheio do teu abraço
Há uma gota dessa minha dor
Cristalizada na pétala de um lírio
Hoje está ventando muito em nossa casa
A chuva já não cessa um só segundo
Quero desenhar seu nome na vidraça
Quero o vapor do teu suor e esquecer o mundo...
Hoje chove muito na cidade
Parece que já durmo há quase um ano
E essa tua ausência já não muda de lugar
Quero varrer de mim o pó dos desenganos.
Que bom ficar aqui a imaginar
Você chegar pisando o limiar dos santos dias
Mas há uma voz interna a me lembrar
Que um amor pra ser amor
Requer de nós mais alegria.

Os primeiros erros

No mundo dois cachorros se encontram
E se esbarram
E se cheiram
E se sondam
E se estranham
E se entranham
E se reconhecem
No estranho amor que os apanha...

Que fim levou a arte?

Uma vontade gera um desejo
E o desejo a necessidade
A necessidade gera o caos...
O trabalho gera o dinheiro
O dinheiro implica poder
E o poder influi na política... E a ética crítica atua em você?!
A cultura espelha as camadas
As camadas induzem a cultura
E assim refaz suas reservas...
Que fim levou a arte?... Leviatã?
Que fim levou a arte?!... Quimera!
A massa ruge fiel à sua luta
E uma tribo controla os seus passos
E uma seita destrói suas ações...
Qual é a música que toca na praça?
Quem é o dono dessas canções?
A mercadoria massa vai à liquidação!
A mercadoria massa está em liquidação!


 Seja como os pássaros

Abaixo do meu peitoril passa o mundo
Aos meus olhos passa, num segundo, as cores radiantes
De sua umbrela...
Lá vem você na rua vazia de minha favela,
Sempre distante, estranha, fria e eu me travo
Será se vem me visitar!...
Um dia você virá, como vêm os pardais e o acaso...
Como vêm os pássaros soltos das aquarelas...
O que é impossível ao vento, a mim é inefável.
Mas, você mudou de direção...
Você é incrível!
É como a lua nova: bela, mas intocável.
Emana luz, mas é impossível.
Seria eu um ser inextricável ou
O amor, em mim, que é inatingível...

Você não vem com os pássaros

Eu lhe daria um dia com tardes, manhãs e céus azuis
E te daria o que demais amorável pudesse
Te daria as cores que no mundo emanam luz
O ar puro!
Mas, enfim, essas coisas que só você não reconhece...
Os pássaros estão acima do muro
Acima de nós
E eu lhes dou migalhas
Pão, alpiste, fruta boa e sementes de palha...
E eles cantam, porque estão seguros,
Porque são de boa paz... Porque são puros!
Como eles vêm se vão embora...
E eu me esqueço, nessa hora, que eles voltam!
Vão e vêm e chegam até ao vaso de flor
Eu lhes sorrio, abro-lhes a porta,
Se quisessem, pousariam em meu peito;
Dar-lhes-ia minha aorta!
Salpicava-lhes de amores perfeitos
E não lhes faltaria sentimento
Carinho, água fresca e cuidado.
Essas coisas que em qualquer um é santo
Essa coisa que só em você é pecado!




Os deuses são estrangeiros
Acordo e ouço a voz de Caetano murmurada entre casarões senzalas solares invocando a tua negra presença...
Salvador está a pouco tempo de mim!
O luar paira sobre o recôncavo brilhando sobre a pancada da cachoeira...
Estando feliz o meu santo eu me calo,
Como se cala o paraguaçu na pedra do cavalo.
As águas revolvem o mangue e a lua dança em seus labirintos, Em salinas de margaridas os pastores dormem na proa,
São Jorge passeia com seu cavalo,
Pelos campos branco Lisboa.
As luzes de candeias iluminam o Bonfim
E os remos cortam as águas na noite da baía...
A canção da lua vaga entre ilhas...
Salvador está a poucas águas de mim.
Posso senti-la. Vejo o seu rosário de luzes
Imagino-a quente gingando com seus tambores verdes amarelos vermelhos e pretos... Olhares africanos
Escondidos na trilha, na selva de arte,
De ritmos de crenças e de caos.
Se deus um dia entender de te fazeres triste
Dispense teus deuses, Bahia!
Deuses são estrangeiros!
Não caia na lábia do negociante
Não ponha nos bolsos do seu rico capote dogmas inúteis...
O sagaz estrangeiro não alcançando
a complexidade de tua magia
Vai zarpar com sua máquina mercante,
Sisuda, fútil, triste, vazia...


MANDALA
Salvador é uma mandala aberta,
Um terreiro de crença e de homens iguais
Uma praça no mar, uma selva que a magia empresta
Uma floresta de luzes sensuais...
Cada cantinho tem história de mistério e de segredo. Cada louco tem memória,
Cada pimenta tem desejo...
Quem bate o seu tambor vai mais longe
Com requinte, conchinhas de veneno e rituais
Quem bate o seu tambor vai na onda
Vai nas vagas, nos fetiches, vai nas bandas
De costumes simples, originais...