sábado, 25 de abril de 2015






 

 

Carlos Kahê

 

 

Badoque

Livro 4 de Poesia

 

 

 



 

 

 

 

 ABERTURA

Literatura não pode ser aquela coisa dura, academicista, sem alma. Literatura é arte e jamais poderá ser teorizada como um simples estigma gráfico. Como escritor e poeta, eu ainda busca o meu lugar no mundo, por isso não vejo a poesia como algo que se assemelha ao gozo numa cópula: poesia é o refinamento das concepções, apesar de utilizar o nosso corpo como moinho; e ainda há os emissores, que são os diversos espíritos que em nós coabitam durante o processo. Tudo isso me leva a crer que, se a poesia incorpora em mim como deleite, ela é mais espiritual do que corporal.
Escrever é uma tarefa mental”, disse certa vez, o poeta Dylan Thomas. Em verdade, quando estamos à mercê de uma nova ideia, trabalhamos com a imponderabilidade da inspiração. Os elementos formais, emissores naturais, fundamentais ao processo de criação são o nosso estilo e as nossas retóricas. Podemos afirmar que são alimento, o pão e o leite, que sustenta a energia emanada do cérebro e da alma de um escritor.
Da alma e do cérebro emanam as expressões concretas e as epifanias: impulsos poéticos, inspiração súbita, que vão sedimentar e ratificar a perícia e o senso estrutural de um artesão. O poeta não procura o lugar comum ou a rima fácil, pois que vive ávido por redimir contrários, criar imagens reticentes e multiplicar o conteúdo de cada palavra. Não existe teoria, quando acreditamos nos impulsos benéficos e na emoção momentânea.
Poeta ou escritor, eu, particularmente, busco nos artesões dogmáticos as minhas afeições pessoais, pois que entendo a Literatura como uma arte que trabalha com a substância da palavra, que difunde o indivíduo, ilumina um lugar isolado no tempo, busca um rosto sombrio na massa ... É nela, portanto, onde encontro as ferramentas que levam-me a trabalhar pela arte da palavra.

 

 

 

 

TEMPO PERDIDO

Chegou em certa manhã uma carta comunicando o fim da inocência | Os meus olhos transbordaram de gratidão | O rosto ficou iluminado pela luz divina. Felicidade profusa ... Enfim, conscientizei-me de que havia algo profundo dividindo vastos mundos | E um semblante mesclando tonalidades confusas.

Eu que antes olhava em tudo com tédio e indiferença | Não percebi crescer atrás do seu doce olhar uma pungência suave, uma pungência felina ... Eu, que buscava sempre a ti, perdi a certeza das coisas. O senso ímpio já atuava onde tudo era maquiagem. Eu tolo não percebi.

Devotei-me então a contar fábulas. Resolvi construir um íntimo deserto e É para onde vou, quando quero chorar.

Fui aquela árvore que recebeu machadadas vigorosas, mas não ficou impassível. Algo dentro de mim ainda chora em silêncio. Quando dei-me por vencido, sem forças para lutar, tombei com o gemido grave dos jequitibás.

O tempo seria aquele e passou ... Nunca mais o teremos como imaginamos.

A tua ausência, bem como o teu cheiro, revigoram as minhas flores, alimentam o meu dia-a-dia ... O silêncio entumeceu as palavras. As coisas que não foram ditas transformaram-se em outra coisa, em algo indizível, inexorável. As penas já se soltaram dos pássaros ... Eles agora já se aproximam das nuvens e os seus reflexos estão contabilizados pelas Galáxias.

Acordei de um sonho já esquecido, olhando estrelas e nuvens ... Flutuava perto da lua, quando alguma coisa chegou até mim. Era a parte final de um sonho triste. A beleza passou, como passaram todas as coisas no tempo perdido. Estou escrevendo novas árias. As palavras desnecessárias não preencherão mais o meu silêncio.

 

 

 

Deus, fim de todas as canções

 Senhor, eu não sei se Vossa Santidade desce ao clamor dos livros dos homens tristes. | Não sei se reconheces uma única linha, em meio a tecelões e novelos. Permita ao meu coração, um minuto santo. Meu Santo! ... Antes de condenar-me, Abra o teu coração com o meu bom conselho!

Senhor Deus, livre-me do riso bêbedo dos burocratas | Eu sei que os meus quereres não têm domínio | Com paciência, eu tudo suporto, porém a minha esperança é cega e iconoclasta. | Esta palavra exerce sobre mim um grande fascínio ...

O meu filho saiu à rua e foi completamente esmagado | Os homens de aço foram mortos nas oficinas | |As personagens eram tão jovens e cheias de amor e de escrúpulos! |Diálogos, temas, narrativas incinerados pelo exército das vaidades... Rolo compressor de déspotas absolutos! 

Meu Santo Deus | Deixa-me tocar pessoalmente a sua ternura! | A minha alma precisa livrar-me das minhas mágoas | Sois Deus,e eu o reconheço, pois que desfilas pela minha rua | És brilhante | pois vejo-o banhar-se na foz em que o poluído East deságua. És cavaleiro, és poeta e um inquisidor permanente do homem astuto.

Fui andarilho nas noites frias de Compostela | Caminhei seguindo as galáxias do homem feito santo | Santiago | Eu pretendia acompanhar o profeta louco | identificar, como ele, cada estrela, | guardar os moinhos, | dormir pelos caminhos, feito os déspotas, como Goya e os seus deuses redivivos, enlutados, costumavam.

 
Pombal, marquês, gajo bandido! | Nunca será tarde para o ter ofendido | Por que roubastes 100 anos de nossas crianças? | O poeta sustenta a voz até ver resgatado o último soldado | retraído, ele se levanta e acorda o sol. | Se a sua poesia alimentou todas as nossas esperanças | Elas já não vivem enfeitiçadas por um incognoscível bico de cola.

 
Senhor, conceda-me a palavra que arranque a maquiagem das mulheres gordas| Conceda-me a palavra gorda que traga a aceitação ao controverso | Um burguês entediado não esquece os seus conflitos | Tampouco se aplica à amargura de um livro complexo |.
Arranque-lhe a armadura, Meu Santo! Deixe o miserável sangrando à míngua!
Seja perverso! ...
Opere o milagre que faz um homem de ferro sorrir para um verso simples |
Quero ver sua língua afiada deslizar, suave, pela lâmina do meu verso.
Esta é a peça alucinógena, Meu Santo Deus.
Vai que seja um capricho ... !
Atordoado, peço desculpa, Meu Senhor, e me despeço.

 

 
BODOQUE

Não somos mais tão jovens | Somos liberais esclarecidos |

Não misturamos fatos e focos na mesma fruteira |

Jamais seremos um quadro sinótico |

A vida em comum talvez só nos acompanhe |

Enquanto durar o conteúdo erótico.

Até lá, compartilharemos o cigarro, a bíblia, bebida, a casa e as boas maneiras |

O mundo flui à nossa volta |

A minha paciência é sanfona |

A minha coerência é boiada |

E a vida que vai ser passada no moinho, já se desmorona |

Se formos pensar o Mundo | O mundo está caótico

A fauna desordenada. | As pessoas se matam diariamente |

Correm para fazer jus aos seus soldos |

Assustadas, parecem se lembrar da vida tardiamente |

A vida guardada nas cápsulas de compromissos! |

Quem não estiver do nosso lado, certamente estará em desacordo.  

Quem se mantiver intacto, se perpetuará omisso |

Há aqui o desmoronar-se | Declama o decrépito faquir gordo |

O que vem a ser isso? ...

Manobramos intenções e não optamos pelo simples.

É ridículo, mas quero rir | Sou levado pelo rio das ironias |

Rio, Quixeramobim, Woodstock | ...

O espelho haverá de quebrar-se e o fantasma estará rindo |

A face à mercê do próprio bodoque.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ASAS E FOLHAS

 

Voo no vão do silêncio enluarado | bicando os grãos e as gramíneas que me prezam | Asas são feitas para dar vazão aos nossos sonhos | Nas ruas de sonhos dos meus sonhos, a beleza das flores é a canção que me enleva.

Beijo a carne dos teus lábios ressentidos | Neles descubro o néctar que alimenta o meu desejo | Quanto açúcar vivia em mim tão reprimido?! | E quantas bromélias ressaltam do teu rosto, em cada beijo?! ...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Prudence*

 

Querida, Prudence | hoje eu saí com o Lennon a brincar |

Por que não fizeste o mesmo? |

Recebemos o novo dia,

E quando o sol levantou, o céu já estava azul

Foi tudo muito lindo | Seria melhor se estivesses lá.

Querida Prudence | hoje eu saí com o Paul a brincar

Abri os olhos e havia prudência em todo lugar |

O céu estava ensolarado, mesmo com o vento fraco |

Os pássaros cantavam com prudência

A prudência deve fazer parte de tudo.

Prudência! ... Por que você não abre os seus olhos fundos?

Eu olho e não vejo mais nada ao redor,

Eu rodo, rodo, rodo ... E nada vejo.

Querida Prudence, queira-me fazer sorrir |

Sou essa pequena criança que não vê nas nuvens, correntes de margaridas

Quero sorrir novamente ...

Apenas faça-me rir de tudo nessa vida. Venha conosco brincar |

Não sei se ainda posso brincar com prudência|

Recebo o novo dia ... O sol levantou, o céu está azul

O dia está lindo e você não está?!

Por que precisamos de prudência para brincar?

*Inspirado na canção de Lennon&MacCartney

 

 

 

 

 

O PAINEL DEPOIS DO GOZO

 

O homem entrega-se ao sexo nas páginas do seu livro | A música dos Stones reverbera pela sala | Uma conhecida canção entranha pela carne e páginas do poema, demarcando espaço, amplificando tempo e compasso, nas idas e vindas da sua ereção.

A companheira está inclinada sobre a juventude | A vergonha escorre pelos seus lindos cabelos | A dúvida se contrai, escondendo seios, entre braços e joelhos | Ninguém socorre a inibição com um bom conselho| Lágrimas e suores sequer foram tocados |

Em frente ao painel imenso, na esquina, após o gozo | Há um confronto entre o prazer e o cruel orgasmo | Tudo está tenso e vulnerável | O amor desceu ao plano menor ... Por questões de princípio, todas as concepções políticas, instintivas, Estão disciplinadas.

O passado sugere virtude | Mas está submetido ao próprio vicio | Maternidade, angústia e vazio ... A menina retorna aos braços do homem | Retornam os Stones. A música reverbera em meio à agridoce fumaça | Autômato, o casal revela as vulnerabilidades pertinentes ao sexo fora da faixa.

 

 

 

 

 

 

 

PICASSOS FALSOS

                                                                                                                         Quando o ontem esteve aqui, você não estava | O hoje chegou pontualmente e você não apareceu | Quando vier o amanhã, venha lhe dar um abraço | Ele lhe trará esperança e coragem para enfrentar o que saiu do controle | Sua vida estará no cinema | A sua melhor parte adormeceu.

Tudo o que disseste no princípio, e não foi ouvido, um dia retorna | E tu, por que ainda não dissestes ao mundo quem és?! ... O tempo passa e passará vibrando, como um rio veloz | Estaremos sem documento e sem Escola | Amêndoas fora da noz | Como um dia nos ultrapassou o verso reprimido, o sexo com comprimido, o Aedes aegypti e o vírus do Ebola! |

Como os seixos do rio que deslizam debaixo dos teus pés | O seu próprio discurso hoje o desconheceria. As palavras ditas no passado, já o ignoram | As coisas que agora são ditas, se não tiverem originalidade, aceite. | palavras mudam de lugar ou sofrem avarias! |Elas se renovam com personalidade e sabem encontrar sua hora.

Por isso, colha apenas o que é seu. | O que vem por amor é primavera | O que não permanece conosco não pode ser castigo, são filhos que damos ao mundo | Por escolha do destino, eles vivem em paralelos contíguos | São larvas que buscaram solos mais fecundos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PAINEL ESPELHADO

 

Um dia a beleza passa ... Um dia a beleza resolve não fazer mais parte da nossa vida | e os lábios vermelhos, salientes, passarão a finos, desolados |

O que ontem fora belo e instigante hoje está amparado na talidomida. Pensando no ocaso, foque no orgulho | No futuro será a nossa mala-de-mão | A sabedoria é o estojo de maquiagem | Nela estará contida uma vida mesclada na impaciência e na pouca emoção.  

Os sonhos passam ou se renovam | A beleza, quando passa, fecha caminhos | Sabedoria é redimensionar-se dentro do tempo | É recriar novas embalagens ... Nem tudo, afinal, nos foi retirado |Restam-nos os dons | que são dádivas | e requerem muito carinho.

A inteligência é o poste iluminado de nossa rua | abra portas e janelas para o futuro | solte a mão do passado | Ele estará sempre um passo atrás de nós | O território que ora pisamos é o presente ... Reconheça-se no painel espelhado |Chegou a hora de identificar os que fizeram a opção por nós.  Se não forem reconhecidos é porque já fazem mesmo parte do passado.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A REVOADA DOS PÁSSAROS BRANCOS

Quantos amores separam a juventude da velhice? | Há um hiato, no meu peito, clamando pelo amor que não disponho | Os sóis vão se encolhendo no meu horizonte sem prisma | Os sais foram recolhidos e não há luar ou céu bonito dentro dos sonhos que sonho.

Os rios estão secando no meu coração desértico | O ouro desapareceu completamente, no meu riso arenoso | A contar pelas paixões, o meu coração não é tão velho | É um sino retinindo um som roucamente, doloroso.

A correnteza em mim é o aluvião que não draga | Por isso, não quero desejos impulsionados com miríades azuis | Se a poesia só semeia em terra que o amor consagra | Não quero a poesia moldando os meus tristes e dogmáticos blues.

No meu coração endurecido | Há igrejas vazias e as intenções são vagas | Não há batismos ou crismas no tempo perdido | Palavras bonitas são como a chama de uma vela ... Quando pensamos que está acesa, até um vento maroto vem e a apaga.

Se um dia o amor chegar até mim | E eu me deparar com um beijo calando o meu riso franco | Liberdade ainda que tardia?!... Eu temo que não haja mais a tão sonhada revoada dos pássaros brancos.

 

 

 

 

 

 

 

Versos satânicos

 

Insultar a verdade e ofender a inocência causa estranheza | Eis a alegria amarga | É como promover uma distorção dirigida entre crenças |

Desejar a justiça social é aguçar a conexão violenta entre as bases | Justas crenças que vivem obstinadas em assumir o que não são capazes | Justas bases que aspiram dirigir, mas vivem tensas.

Insultar a verdade é recriar a dependência | Se optares por viver uma vida devotada à inveja, estarás perfeito no papel de sujeição e violência |

Se pretendes recompensar as perdas que já não são fugazes | Por favor, libere a cerveja| E passe a legitimar as visitas que já são contumazes | ...

Ignorá-las seria sofisticar a imprudência.   

Li no bloco de notas os versos do demônio visitante – os tais versos satânicos! Vamos combinar que não estavam ali a perfeição das formas congeladas. As melhores ideias eu as encontrei nos versos inacabados | No geral não vi sequer resquícios da beleza comentada.

Nunca acreditei na saga do ímpio arrependido | E concordo, em parte, que e o grande problema de uma ditadura é o incauto esconder-se atrás do poder de quem manda | O grande dilema da democracia é a messe sonhar que um dia fará parte da demanda que mal foi consumida ... A fúria rígida não nos facilita.  Esta sempre foi a maneira secreta (hoje aberta) de reagir do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

QUEROMEACRE

 

Católico,

Louco,

Místico,

Peregrino... Poeta, andarilho, sou Thoreau

Por que não posso ser Jack?

Amo,

Trabalho,

Sofro,

Sou um selvagem ...

Sou caboclo rude,

Latino,

Escravo emancipado Ignorando a liberdade desse novo leste.

Não abandonei a postura latina de amante.

Sou romântico,

Sou cafona

Abuso muito das vogais

Escrevo os meus protestos ignorando as consoantes,

E se de repente eles decaem? ... Tornar-se-ão Ladinos, obsoletos,

ineptos, dormidos, atemporais?

A vida é a chuva que me amedronta

A chuva é a vitrine que me traz bicos

Olhando a minha posição no tempo. Nada me consta!

No teatro do mundo, sou o escravo que ainda vive ralando por papéis atípicos.

Nada fui ou serei neste inverno equinocial: cavaleiro intrépido, vivo detido.

Tenho um filho que não me beija, devido aos meus bolsos varridos

Costuro a própria roupa, modelo os meus belos sapatos,

Mas Não consigo escrever um reles destino ...?!

Ave, mãe cheia-de-graça, acolhe-me.

Abraça-me! ... Antes que a morte o faça!

O mundo abriu, mesmo, mãos de mim.

A vida encolheu-me!

A vida desprezou-me!

Soltou-me entre os joios ...

Se Deus me desse a graça de escrever alguns versos, eu os encheria de dor

E do caos dos desocupados.

O mundo é perverso:

Amar,

Trabalhar

Sofrer ...

Eis o que sobrou para mim!

Neste circo está todo o meu legado.

Andei por todas as ruas da América,

Solitário,

Perdido, entre tantos rostos felizes.

Percorri todas as estradas do mundo,

Cheguei a ver a luz noturna do arco-íris!

Eu quase a toquei! ...

Pela força da iluminação sagrada, como encanto,

Afora as almas,

Afora os bodes,

Afora os porres e os grilos,

Ninguém sabe o que passei.

Não fui aceito no mundo. Há descaso mais descabido?!

As minhas placas agora já se desmoronam

O tempo cozeu suas cores,

Enfim tiraram-me da redoma.

Queromeacre! ... Antes que a voracidade dos glutões arrependidos me consoma.

Antes que aterrorizem a minha poesia com o massacre!

 

 

 

 

 

MULETAS

Carrego na cabeça as pedras e os tormentos do mundo. Aquilo que só a mim pertence está no meu coração. O que pretendo conhecer, encontro nos livros, o que ainda está por vir vive adormecido na razão ... Se vamos ganhar, vai depender da maneira com que buscamos. Muletas não são ganhos que pedimos. Levante-se! Elas poderão tornar companheiras inseparáveis. Cuide de evitar maiores danos A negligência acolhe a perda irreparável. O mundo opera debaixo do pano!

 

 

T.S. ELIOT

A crueldade de maio fez a terra morta germinar flores e o desejo simples agir como dono, arrancando o néctar pela raiz.

A crueldade de maio fez a terra morta germinar flores e a chuva ensolarada do outono recobrir o nosso amor, com flores de açúcar, e a natural convicção de que somos felizes.

Quando vier o inverno e o vinho tinto nos embebedar, cercando-nos de todos os lados, serei o frio que espera lamber suave as suas terras. Serei o sol que entregou ao verão o raro diamante e a estrela que suprimiu das quatro estações, A Primavera!

Serei o vinho a nutrir os tons secos dos teus versos. Serei o riso que reacendeu a vida com alegria incontida. Serei a natureza que extraiu da música, Vivaldi! ... A genialidade de suas harmonias, ao preencher com as Quatro Estações as nossas vidas.

Quando o verão nos impõe dançar, ele convida os corpos a se levantarem e a caminhar pelas areias ...

Quando o verão nos impõe dançar, ele nos convida a colorir os parques com a nossa alegria, a embelezar as praias e a encher as canteiras de lua e de cerveja.

Em fevereiro, quando a aura das ruas já estiverem enamoradas do carnaval, diga Adeus à melancolia! ... A aurora dos homens já se apaixonou pela boa imprudência e as ruas do Rio retornaram às clássicas e irretocáveis poesias.

 

 

 

 

ITABUNA. PEDRA DE LUZ

Dia frio,

Céu azul,

Sol brilhante

O sol ilumina a cidade, radiografando o rio,

Expondo as pedras ... Expondo as águas que se espalham como fragmentos de diamante.

O rio me embala com sua canção distante ... Estou sentado num banco de madeira. Estou isolado, Vivo desolado, em frente as águas. Faltam-me palavras para compor a cidade que se desenvolve através de mim.

A cidade que atravessa a outra margem | que me leva a pensar no passado | Quase por milagre ... Sou parte desta claridade! Sou parte desse vento que agita o rio e que vai desalinhar os pássaros. Sou peregrino abrigado sob essa abóbada de intensa luz,

Luz poderosa, dominante. Sou o banco vazio que está olhando o parque | Sou a lua que olha a cidade e admira as casas ... Eu vi os poetas escreverem o seu destino

Estão mortos os homens que levaram adiante o seu traçado | Sozinha, te vejo se auto reconstruindo ... A cidade vai ganhando altura, E nas alturas ela vai soltando a mão do passado ...

Pertenço a esta cidade, a esse emaranhado de ruas largas, estreitas, ruas longas, sinuosas ... Ruas que arrastaram destinos, ruas que alcovitaram amores, que presenciaram beijos e crimes e silencia sobre o passado dos homens enterrados Após o último baile da catedral.

Em pleno meio-dia ... Os sinos ansiosos anunciam a Consagração. Imagino os olhos dourados da Virgem Mãe, a santa que me protegeu e me abraçou quando o meu leito era o vento. Imagino os seus olhos dourados guiando homens, mulheres e crianças que chegam aqui desnorteados, ávidos do calor e o verde desta paisagem. Ávidos de sua história e intentos. Ávidos de pertencerem ao somatório de valores marcados em cada pedra do rio que construiu essa admirável Rosa do Tempo.

 

 

 

QUALQUER CIDADE II

A cidade dorme oprimida pela sua história. A história se esconde da cidade, com vergonha do seu passado ... Ruas da Quitanda, Assembleia, Lavradio. Funileiros, milicianos, senhorios. Chafarizes, cortiços e sobrados.

As ruas estão oprimidas pela violência. Pessoas deprimem as próprias desigualdades. Homens nascem, crescem e morrem sem suas casas. Sobrevivem, empilhando amarguras em cascas de ovo amassado.

Nasci no Estado-novo, nasci queimado como os livros, nasci proibido como a literatura, controlado como os pensamentos e vou viver sempre marcado, como um Adão negro e seu novo pecado.

Na arquitetura de hoje as casas não comportam os inquestionáveis tormentos.

Na arquitetura de ontem, em que lugar das casas se alojaram os meus antepassado?

 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Porta de saída do paraíso

Algemas encerraram-me neste mar sem horizonte

Minhas mãos sangram sobre o pano limpo

Você desnorteou minha vida!

Sou o filhote vestindo pele de bicho,

Desgrenhado, lívido,

Desabrigado em plena tempestade... Caim fugindo da presença de Jeová.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alma de passarinho

Agua nativa não é natural; nem pertence ao lugar em que nasce. Bastão do imperador jamais viu um imperador de brotoeja. Fruta-do-conde não reconhece um conde, desde que Cancão de Fogo os dizimou numa peleja; e a bomba que trabalhava de graça virou relógio com fios explosivos e brincos suicidas de princesa.

Queria plantar jasmins, mas não existem jardins nesta cidade! A boca-da-noite não usa batom | se muito, o cachimbo natural de um preto-velho. O rio agora é o tempo secando no tempo. A lua são os olhos da deusa abençoando os amantes; nada mais, aqui, passa debaixo da ponte ... A ponte nos liga ao nada. As águas-vivas não têm mais vida! ...  Plásticos na água matam os répteis! E isso não é um conto de Fadas.

Lagarta vermelha pode ser uma carrilhão serpenteando os montes. Os elos foram partidos, os acordos foram rompidos, os anjos estão caídos e os poetas estão fodidos! ... Meus santos Carlos, Pessoa, Bandeira ... Não tive Papai Noel! Ajude-me a encontrar as palavras que caibam nos meus versos! Brigar com palavras é a dança mais cruel.

Ajudem-me a encontrar aquelas que doutrinem os tolos na política. Presenteiem-me com versos que alguém possa citá-las de memória! Conceda-me palavras que facilitem a boa-vontade dos moleques, que se mostrem fluídas nas páginas levíticas, não Leviatãs juntando elos de coincidências, e que resolvam ficar para a História!

Poeta que não sonha é um poeta triste. Poetas, levem-me, além da cacimba onde o sol poente põe os seus ovos! levem-me para o oriente além, muito além daquele lugar que não existe, mas que o povo vive dentro de uma “Ola!”; levem-me aonde o dinheiro não pode ir e que lá eu encontre bastante amendoim, lantejoulas, flores, cervejas e bandeirolas.
Levem-me aonde os homens não joguem sonhos e ética na lixeira. Onde as crianças observem os movimentos práticos e os condutos sugeridos pela nova escola! Levem me, aonde tenha leitores! ... Isso deve ser longe. Levem-me aonde o dinheiro não queira ir sozinho, e quando resolva voltar, volte com pimenta de cheiro, cravos, licores e um pergaminho... Tragam-me bolo enorme de batata, pão de laranja, mostrem-me a estrada, os violeiros e os moinhos. Diga aonde eu possa livrar-me dos versos cansados, penteadinhos, dispostos a matar a alma da poesia. Cansei-me dos versos floridos, arrumadinhos. ... Esta velha cigana, a poesia, deveria ser mais franca, impontual, sempre e mais irônica! Talvez destinasse seguir caminhos aleatórios; quiçá, abandonasse a fase daltônica ou colassem as almas dos homens às dos passarinhos. Depois, meus poetas, os senhores podem me trazer de volta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IN-DiRA

Felicidade é algo que decidi, por princípio. Decidi ser feliz e me presenteei com a felicidade; doei-me a mim mesma, como bônus e não vejo onde existe fardo, quando me assumo.

Não há por que negar que sou meu próprio dono amando o que faço. 

Inconscientemente estou gerindo-me, me preparando, como preparo a massa de pão ou brigadeiro; trabalhando naturalmente a rotina dentro do meu tempo, acompanho as transformações que vão se processando sem itinerário ou roteiro. Repartindo as réstias de luz, multiplicando as gêneses, acendo a luminosidade dos pessoais canteiros.

Repartindo, eu dou sentido a muitas vidas, encho de cores a minha casa e de vida o meu-dia-a-dia ... Eu me vejo sentada à mesa de minha graça!

Se em cada esquina, alguém pensa em desistir... É que a coragem se ausentou e a dúvida se tornou companheira inviável. Trivialidades já não me contentam! Sou a aquarela me auto colorindo e a rusticidade fechando com o que é inefável.

Enquanto os meus os olhos abrirem, vou sorrir! Resolvi que devo rir de tudo!

Vou sorrir, e esta minha condição, em qualquer situação, não é pecado. Riu das minhas proezas, riu dos meus absurdos ... Estando feliz, riu de mim mesma. Rir é o bem-estar com o qual estou fechada.

Sou uma pessoa feliz pelo atributo das coisas que guardo.

Todos os dias eu abro o meu cofre para usar o que tenho. O que ainda não pude alcançar, colherei nos bons livros. A saudade muitas vezes traz as lágrimas boas; lágrimas das lembranças do que foi essencial ... Como disse aquela criança, Saudade é o amor que fica.

Nada vida nada acontece à toa ...

As coisas simples são imponentes e não há o que lhes equivalha ou seja mais belo; simplicidade são bolhas de ar, quando nos parece distante, e são tão simples que podem ser a simbologia dos pequenos dons que não revelo.

Quando eu fechar o meu extrato, como resultado, guardarei as boas influências amando a mim mesma. Amando a minha própria companhia, concluo que Eu reunida a mim, somos cúmplices indissociáveis e se somos cúmplices estamos no mundo amando a esmo.

Se quero a felicidade por princípio, o caminho é o trabalho.

Com o trabalho eu traço o meu próprio norte, pois não sou de iludir-me com a grande-sorte. O mundo é falho! ... Mas foi ele quem ensinou-me que as coisas medidas pelo meu suor resultam no tesouro em que eu sei que valho!

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Como folhas ao vento
A canção de nossa vida, o tempo não apaga
É refeição da alma e do espírito
É o alimento que sustenta a nossa casca.   
Essência da vida –
Sabor,
Sal imaterial,
Ternura,
Ervas,
Especiarias,
Azeite,
Vinhos e versos ...
Nas ruas, caminhando sob copas de árvores
Sou surpreendido pelo sol que se espalha sobre casarões antigos.
Saúdo flores e folhas que caem à minha volta
A minha rua cruza um país
Cruza o universo reunido no riso dos amigos.
Eu distribuo segredos, como quem ama ou sorri
A página rasgada, os versos ao vento se depuram
Drummond veio até mim, do jeito mais natural,
Como dois carinhos que se procuram ...
A poesia passa,
Eu passo pelo relojoeiro isolado, num cenário indômito
Ele não me vê, eu o vejo abandonado
Ao ofício de reordenar o compasso do tempo,
Atualizando reminiscências de um fragmento mecânico.
O padeiro mistura graça e farinha
Na simbologia dos seus pães
Marceneiros, pedreiros, carpinteiros, religiosos, ricos e pobres
Correm pelos seus honorários
O jornaleiro anuncia o mundo!
Ele ri de tudo, ri o seu riso confraternizado,
O seu alimento paira acima da fome,
Devota-se a cada amizade construída em seu itinerário.
Poeta ou escritor,
Eu busco nos artesões dogmáticos as minhas afeições pessoais.
Poesia é arte que trabalha com a substância da palavra,
Que difunde o indivíduo,
Ilumina um lugar isolado no tempo,
Busca um rosto sombrio na massa ...
São retóricas, alimento, pão e leite, que sustentam
A energia emanada do cérebro e da alma ...
Que o poeta vai semeando por onde passa.
 
 
 
Ofertado do nada
Quando a noite me trouxe o sono,
Ele já chegou pelas mãos do sol
A cabeça fez a varredura nos pontos cardeais
Deixou-me no meio-leste,
Perto do inferno.
É difícil conjecturar a vida,
Quando não tiramos os sonhos do caderno.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Wave

 

O poeta tece a onda de sonhos

O louco é quem surfa na crista do tubo de ideias

O poeta tece a casa da ilusão

E convida o louco para comandar o tear.

Sem tino, o louco confia no poeta

Sua trilha passeia sobre as linha riscadas em seu desenho

Completamente louco, completamente criança,

Eles escrevem um livro repleto

Das mais claras e visionárias invenções.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Dostoievski

 

Dostoievski desenhou uma cruz nas entrelinhas do seu legado

Sujeito estranho, ele deixou o coração de lado,

Quando resolveu abrir em sua vida espaço para Deus.

O deus de Dostoievski foi um deus sem amor ceando com Hitler!

Mas foi puro e criança, como cabe somente a um deus...

Na sesta, ele enxugou as chagas nazistas, feitas de pasta de amora?!...

O deus que participou ativamente de sua dívida foi um deus valente

Foi um deus que revelou um discurso com martírios...

Um deus, desses que jamais fariam parte da nossa história.

O deus de Dostoievski foi um deus desnudo, sensual...

Ativamente atípico! ...

Esqueça o deus leal, carente, feito por um gênio.

Os deuses de Dostoievski foram deuses orgulhosos,

Apaixonados!

Geralmente atormentados, impuros, místicos e sem glória!

 

 

 
 

 

 

Caixa de segredos

Aquela paixão, que eu pensei não fosse paixão

Veio hoje me dizer que eu estava enganado.

É paixão mesmo! ...

A minha dignidade limitou-se a um abraço

Um misto de confusão e de euforia.

A confusão que apareceu no meio do abraço,

Do outro lado, atende por gratidão

A paixão que se desenvolveu no silêncio, não pode ter voz.

Mas tem medo! ... Aquele que vê o seu amor rejeitado

Aprende cedo a resguardar a impulsividade

Numa caixinha de segredo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Ilha

 

Mãe, eu estou apaixonado pelo amor!

Nunca mais repita isso! ... Rebate minha mãe.

Amor sofre de banzo!

Amor é aquela coisa bovina, tristonha e mora só numa ilha.

Meu filho, nos corações não há vaga para todos.

O Amor pode até bater em nossa porta

Mas é sofisticado.

Amor precisa de requintes e somos média

A média do povo, por não ter requinte, o amor maltrata.

Por isso ele vive só.

Vive encantado! ...

Vive fugindo dos perigos dos relacionamentos ...

Não ouse se aproximar dele!

A desilusão o agredirá e pode até ferir sua alma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Arte e cumplicidade

 

Inspirações, ideias e angústias, quando batem,

Batem sempre de madrugada. Nessa hora você dorme.

O amor, então torna-se um pêndulo oscilando entre dois estranhos

No meio da noite, naquele instante em que estou passional,

Você é suicida. Eu estou desolado,

Amamentando paixões recém-nascidas.

Cumplicidade não se impulsiona pela energia carnal. É vida!

E como tal, suscita vitalidade no discurso.

O que é necessário para duas pessoas completarem um percurso?

Caminhar com quem tem idêntica vitalidade, não é paixão,

Paixão é dividir-se com o que lhe é diferente.

Caminhar com quem alimenta a essência dos seus sonhos é arte!

As almas gêmeas dispensam tempo, espaço, motivo

Sufragado o elemento sensível,

A própria arte celebrará o pacto sem pacto!

Se entenderam que é amor

Deus assumirá a culpa, com o auxílio

De todas as carências divinas.

 

 

 

 

 

Avisos banais

 

Salve a água do Planeta

Devore suas próprias ideias

Selecione primas influências

Beba suas escolhas pessoais...

Na perseverança de grandes vantagens,

Arquive sugestões de ombreiras

Feche passagens e portas

Abra algumas janelas para sua companheira. 

Não conte os teus segredos ao corvo ...

Never more…

Arrombe portas, vá viver sozinho

Não deixe as vicissitudes cuidar de suas botas

Deus errou demais com tantas linhas tortas

Evite contar segredos que o próprio Deus não soube guardar sozinho.

Não se faz mais deuses como antigamente!

As gentilezas caem aos poucos e, por pouco,

As sutilezas não estão mortas.

A vida não caminha mais para frente,

desde que as frentes políticas viraram-me as costas

A minha generosa aspereza sofre

Com a rutilância de suas insinuações

A inutilidade começa hoje o seu plano de aborto

Vivo ligado

Porém o mundo está eletricamente absorto ...

O gado aprendeu a caminhar sozinho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Poeta mente

Minto para confirmar que minto

Entre mentiras e verdades o lacre é uma casca de ferida.

Quando os meus olhos trabalham, nem no tempo vazio eu descanço...

Minto porque sou poeta com autoridade de recriar a vida

Se eu for fazer conta da verdade,

Terei de recriar o mundo, conjugando com a imundície.

Por isso, minto!

Se existe alguma beleza em meus versos

Ela estará sorrindo na superfície.

A minha poesia não merece o seu tempo,

se não estiveres encantado com o que minto.

Minto nas frases,

Minto nas metáforas e imagens... Minto!

Minto, porque o lirismo é puro

E não pretende ir ao fundo do que eu realmente sinto

Minto porque a sinceridade não é evidente.

A verdade fica nos entressentidos,

Nos intramuros,

Carrega uma bagagem muito grande,

Porque a dúvida estúpida exige toda a verdade.

A mentira é sempre fluída...

Não tem países, mas tem futuro!

A mentira lírica é diferente da mentira retórica

E passa de língua em língua, sem fronteira

Transcende leve, profunda, bela, filosófica, estradeira...

Se falasse a verdade passaria a dar explicações ao mundo.

A verdade não é dona da verdade

Mas exige esta infâmia, do simples ao mais profundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Flores afetivas

 

Um dia eles apagaram as luzes de todas as esperanças

Queimaram livros,

Fecharam bibliotecas,

Calaram poetas e escritores.

Quebraram as lâmpadas de nossas mentes,

Rasgaram os filtros dos nossos corações. 

O poeta maior lamentou: “E agora, José?!... A festa acabou!

O medo nos dividiu, o bem do bem se afastou

E o povo isolou-se em frente às tevês. 

A ilusão gritava a cada intervalo de novela:

“E nós, aonde vamos?”

Dádivas vestiram-se de dúvidas,

Esperanças travestiram-se de incertezas,

Febres acalmaram temperaturas

E a ternura calou fundo em minha beleza.

Restou-nos o quadro nu da utopia,

Despido de pássaros cativos...

O pão dormido mofou sobre morangos,

Flores ressentidas secaram,

Choraram,

Distante dos nossos ombros,

Sem cores,

Sem bandeiras,

Sem esperança...

E por encanto, sem nenhuma insinuação de dança.

Eu ainda vivo sem o perfume das flores afetivas.

 

 

 

 

 

 

Wake-up!

 

Depois de um sono profundo, a juventude retorna às ruas.

Ninguém poderá mais queimar as suas inquietações,

Porque são nuvens anunciando chuva...

E que tornem esse torrão seco em verdes salões

Sem cordialidades, mas sem ferros,

Sem as abelhas astutas a sorverem os favos da realidade notória.

Sejamos formigas a abrir caminhos

Para que esta nova geração possa escrever a sua própria história.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mestres

 

O meu espanhol está enferrujado,

O meu inglês cansou de me fazer carinho.

Assim caminha a humanidade...

Os grandes mestres são conduzidos até uma faixa de tempo,

Depois são deixados na estrada,

Como uma página que se soltou de um livro antigo.

Como os poetas,

Os mestres não sonham a sós,

Na busca dos seus sonhos, eles estão sempre nus!

Vestidos somente dos seus sonhos

Amam o que ensinam, de verdade...

Mas tudo aquilo amam,

Eles se acostumaram a amar sozinhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mora na filosofia?

Fé resulta do acolhimento à palavra bíblica.

Caridade é colhida na fé.

É aquela coisa cíclica:

Palavra, fé, amor, caridade...

As sementes da caridade são germinadas no amor, porém,

No pé deste roseiral pousou a esperança do amor fraterno.

Eu já posso ouvir o canto da felicidade...

Mas amor que faz rima com dor está sangrando

Nas portas do inferno!

 
 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Discurso em desuso

 

O jovem de hoje é alienado?!... Ouço dizer que ele não reconhece em si mesmo capacidade, nem sabe explorar a beleza do ser humano.

Dizem que ele se protege, quando pretende se distanciar dos mais velhos. É como a Ditadura que se protegia de quem ela mesma torturava...

O jovem de hoje crucificaria a Deus, por não conhecer sua importância. São feios, quando expõem sua expressão de vazio. Não são generosos, nem leais... São lindos quando se agrupam em torno de ideais que não são doentios.

 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Solidão

 

Hoje de manhã, quarenta anos... Eu e o meu espelho.

Ah! Existe espelho?! Eu que o havia esquecido!

Hoje de manhã, quarenta anos, mais maduro e comedido.

Hoje de manhã, quarenta anos... Quantos crimes cometidos?!

Quando de manhã se retirou e eu nem vi o vulto que ficou comigo.

Não o conheci. É sempre assim... Os corpos se ardem à noite em fogueira,

Vem a madrugada qual geleira e gela os corações.

Hoje de manhã, quarenta anos, vem o espelho e me pergunta se acredito em solidão?!...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quanto Valemos?

 

Fraquejaram e rasgaram a carta branca. Rasgaram as conquistas que eram nossas, além do carnaval. Conspiraram e nos deixaram a corda-bamba. Roeram a corda do lago fraco, do lado pobre... E o Lago Sul?!

O que querem mais de nós? Se eles se evadirem é bom que fiquemos sós.

Te confesso não assimilei o seu recado. Não tenho trabalho, não estou seguro, não tenho vida. Como pagarei meus compromissos tão diários?... Todo dia tem feijão, todo dia tem sabão, todo dia tem tortura e solidão.

Quando o farol iluminar a tarja escura que nos cegou, virá um amigo seu roubar a dentadura que nos restou. Tô ralano, batalhano... É a nossa língua incorporada ao nosso caos.  Correr atrás, vender o peixe ou suar a camisa são ideias de ganhar a vida.  A sobrevida! O pão de supostos índios?!... Isto não é fotografia. Isto é fato! Isso dói! Como dói!

Quantos somos neste cacho?

Quanto temos em nossas mãos?

Quanto valemos mais que os pássaros?

E os ricos trapos de Salomão?!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rico Nordeste

Natal é a janela que se abre ao sol. Abraçado aos meus lençóis azuis, eu acordo nos braços de Maceió. Recife tem braços fortes e um peito que segura o mar onde o mar quer sempre bater. Na Bahia, o que bate são tambores e um alegre coração. Bahia é o berço brasileiro do carnaval e o encontro das águas que se perderam pelo sertão.

Piauí! O resto do país é que não se atina. Quando o Parnaíba chega ao mar, ele chega triunfante, desaguando, dizendo que o Nordeste não é pobre, como se imagina...

Nordeste é a poesia viva desta nação!

Quando Aracaju foi escolhida para ser princesa, o sol nem repartira o solo em quadradinhos. O sol não vai querer se apagar no olhar de Fortaleza, porque a massa regueira já fincou bandeiras no Maranhão...  

Brilhando, enamorado, o sol fica sempre mais um pouco no Nordeste, onde pretende sorver a última gota do sorvete de amora. Seca é berço, nascimento e paixão da fé... Fome e sede são contas empíricas de um rosário que ficou na história. O conjunto de perdas está ressuscitado. Vivo não apenas num sacrário, mas em prosa, poesia, repente, xaxado, frevo e baião...

Que coisa boa!... Fluir, Para-í-bai-lando até João Pessoa! Da Pedra Bonita, Zé Lins viu a poesia deixar engenhos e explodir além do sertão. Seguiu a desentranhada poesia num trem de forró com Suassuna, Cabral, Gonzaga, Gil, Caetano, Belchior, Lenine, Ramalho, Fausto, Alceu, Bandeira e Lampião.

 

 

 

 

 

 

Rimbaud

 

Poeta! ...

É loucura experimentar algo sobre o qual terás de silenciar!

Se abrires o que tanto venera, eles jamais o entenderão

Quem lhe ouve, não dá a mínima importância

No mínimo, o olhará de lado,

O chamará de tolo!

Os teus pruridos estarão condenados desde a primeira infância

Quando experimentares na carne as ações do outro

Não serás mais o mesmo

Os móveis estarão fora de lugar,

As árvores tornar-se-ão azuis,

Estarás possuído por uma potência irreal

As pinturas ganharão movimento,

A música encherá de novidade a caixa-preta universal...

Felicidade é coisa perturbadora!

As coisas grandes vão se submetendo às coisas pequenas

A alegria, quando não gravita, viajará para muito perto

O poeta é que vai longe...

E fostes longe esconder a tua lavra consoladora...

O poeta vê luxúria na dor,

Beleza nas banalidades,

Luz extraordinária na claridade...

O que é natural ao mundo, aos seus olhos é grandeza.

Viajando na poeira do vento,

A beleza desloca-se para os olhos do homem,

Quando ele se descobre poeta.

Experimente contar suas experiências,

Mas sem abrir demais a ânfora?!

Nela estarão contidas as viagens, sonhos e veleidades...

O cerne de um poeta está na sua metáfora. 

A poesia nasce do pó! ...

Por que fostes tão longe?

Tão jovem?!

Por que tão cedo desistisse da dança?!

Rimbaud, saibas que o teu legado,

Origem e percurso, do qual distanciastes

Ninguém, ninguém, nem mesmo o tempo,

Que tu colocaste como advento, te alcançou...

 

 

 

 

 

 

 

Deus sol

 

O sol prefere a liberdade das ruas,

Prefere os espaços livres

As alamedas.

O sol raramente para em casa

Não dorme nas sedas.

Aqueles que o evitam viajam na sombra

E se assombram com quem lhes cobra intimidade.

Não olhe fundo nos olhos do sol... Ele te cegará!

Ele te enxerga como um grãozinho no pó em movimento... Não queira expor ao sol os seus tormentos

Suas réstias são venenosas,

Implacáveis e capazes de diluir consagrados monumentos.

Quando você me dominava, toquei a tua linha,

Na medida em que me pisavas,

O ar levantava as peças claras das cortinas de nuvens.

O sol, a quem tanto busquei,

À luz do sol, sequer, de mim se lembrava.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Letra manchada

A mocidade está na rua passando o país a limpo

O Brasil que se imagina moderno transformou-se numa ilha de reconstrução

É difícil não sonhar com esse edifício, onde cada idealização é um tijolo

Onde cada tijolo é uma vontade

E a soma de todas as vontades é construção!

A luz do futuro passa pela janela da juventude

Que, de mãos dadas, se agrupam e vão levar às ruas a cara da esperança

A onda de transformação, alguns não alcançam!

Justo aqueles que confundem idealidade com violência

Que confundem civismo com militância.

Não sabendo pedir ou reivindicar,

Não conhecendo a decência destroem,

Porque estão perdidos?

Há infiltrações na luta dos jovens

Existem fantasmas plugados por condutores que não constroem

Há interesses agindo no escuro!

Dissimulados,

Disfarçados,

Ignóbeis,

Dissolutos,

Escusos,

Manchando bandeiras,

Manchando as letras dos jovens que necessitam do futuro!

 

 

 

Cristais quebrados

 

Ontem ela voltou

E abriu sobre a nossa cama cortes sangrentos

Retalhos arrancados ao seu coração.

Sofri os golpes que calavam no fundo do seu silêncio

Uma tristeza do tamanho do mundo encheu a nossa casa.

Ontem ela voltou

E me trouxe de presente um triste olhar

Que o semblante não soube mais como apagar...

Seus olhos grudados em mim,

Eram olhos de um náufrago a implorar pelo salva-vidas!

Estavam desfeitas todas as costuras da nossa vida sacramentada.

Tudo ruía ao nosso lado

Sem proferir palavra

Sem adeus

E sem lágrima,

Controlando uma íntima avalanche,

Ela colocou-me num redemoinho ...

Ontem ela voltou 

E o sol não ilumina mais as nossas vidas

A morte paralisou os seus movimentos

Ontem a morte entrou em nossa casa

Eu posso vê-las caminhando, de mãos dadas... Ela e a morte,

Eu me quedo impotente,

Acompanhando aquele féretro equivocado.

Uma aura dúbia não a deixa mais andar...

Eu permaneço ajoelhado diante do triste sepulcro,

De frente para o esquecimento

De costas para a vida.

O livro dos Provérbios não fala de uma mulher frágil

Ela sucumbiu diante dos meus olhos,

Como um colar de pérolas preso aos olhos de um ladrão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Envelhecendo as estruturas

 

Embriagados nos braços de amantes efêmeras,

Ocasionais,

Vivemos cercados de jardins que abandonamos

Entre o enriquecer e o morrer.

Vivemos mergulhados nos números de tantas posses

A se multiplicarem nas roletas da vida,

Em cartadas com os amigos,

Soberbos, diante dos jogos dos números,

Assenhoreados pelas pressões do mundo

E da dinheirama que ronda os palácios.

A boiada cada vez mais crescente,

A espiritualidade e as ações cada vez mais caóticas,

E os filhos desprotegidos,

Dissuadidos pelos campos mais profundos...

Vivendo a vida avidamente,

Não nos preocupamos com a saúde.

A canção de nossas vidas está tocando num alaúde,

A letra está em desacordo com a melodia...

E o meu coração seguro

Em patamares de estruturas exóticas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O rio perene

 

Quando nos pegamos orlados de quinquilharias,

Cabe-nos velar, noite e dia,

Para que os nossos próprios nomes não caiam no esquecimento.

A agudeza pende sobre os nossos ombros

A paz ainda tenta ressurgir

Toda luta que vela por nós,

Que nos livra do inefável esmorecimento,

Apropria-se como oração.

Carregamos uma cruz sobre o nosso peito,

Como mero enfeite!

Enfiamos em nossos dedos, anéis sem valia,

São negações às nossas virtudes.

Chegaram novos invernos,

Verões e longas sestas de primavera,

E eu continuo a olhar as tardes

Desconhecendo suas cores outonais,

Os pássaros mudos,

Os bichos tristes,

Empalhados,

E a campina castigada pelo sol.

Depois daquela tarde, adentrei o meu próprio solstício. 

As árvores que abrigam os ventos ensinam-me,

Como nos livros naturais,

Que a natureza só cumpre os seus ciclos.

O que cala em mim é o meu desgosto

E as antigas vibrações ontológicas.

Nos silenciosos intervalos, entre um réquiem e outro,

Os sábios pensamentos atuam como calmantes

A me indicarem a leitura de um verso.

Na faina existencial,

A íntima sensação está seduzida pelas náuseas,

E vai apagando a luz do final da minha rua...

Vai apagando todos os sóis da paisagem sumida de meus olhos,

Nunca mais, os banhos das tardes nas mornas águas do rio perene,

Nunca mais, a névoa das manhãs nos currais de cinamomo,

De leite, açúcar e de esperança...

 

 

 

 

 

Força da verdade

 

É necessária e imperativa a coragem, para saber usar a medida da força,

Se eu quiser me aproximar da verdade.

Longes temores e piedades!

Delongues alegria e destruição... mas acontece comigo a falta de vivência

Com a tragédia.

Para quem vive mergulhado no deslumbre do progresso,

Na queda, tudo passa a anunciar-se como tragédia.

Este é o momento mais articulador de mim mesmo.

Cobro-me, impiedosamente, uma afirmação definitiva!

Este é o estágio exato em que eu terei de expor as minhas armas

Se quiser sustentar a guerra mais incendiária de toda a minha vida.

Mas como fazê-lo, se eu me encontro desarranjado moral e espiritualmente?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leve o seu amor pra longe de mim

 

Leve o seu amor para muito longe...

A todo instante eu necessito dele,

Porém, nunca está ao meu alcance.

Vibra na minha pele ... E o pensamento? ...

Onde andará o pequeno infante?!

Isto só aguça a minha tristeza

No breve tempo em que ficas,

O teu sentimento fica num sacrário

Santo velado, venerado, mas sem assunto

Se viesse até mim, cuidar-te-ia até das brotoejas...

Se é para ficar distante,

Imploro que me abandone,

E que mude de igreja!

Um adeus, um até logo,

Melhor do que o desgaste

Não quero que me vejas triste,

Não almejo uma mentira

Abundância de ausência?

Melhor ficar longe desse traste!

Levar este romance adiante

É reacender uma vela que insiste em apagar

Se fosse olímpico, acenderia uma pira!

Já nos conhecemos tão bem

Não há como apagar esta ira

Amor de monge?

Não estou aqui,

Mas fique longe ...

Como um livro grosso na estante,

Intangível,

Imanuseável,

Interessante...

Intransponível

Intocado

Esquecido ...

Não quero lidar com úlceras.

Não quero comer tuas vísceras,

Não quero viver ressentido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

UMA VIDA DE SUPERTIÇÃO

Meu pai caiu de joelhos, como um cavalo sem forças

Sem um naco de pão no estômago,

Apenas respirando pela linha tênue

Que ligava os seus pulmões.

Minha mãe, velha e louca, queimava incenso numa lata azul,

Uma espécie de expediente natural com que ela poderia conviver na sua velhice

Ninguém merece viver uma vida de escravo

E morrer se acabando de mãos vazias

Se ficam aturdidos,

Eles saem ruidosamente às ruas convocando a cólera

Acendem a fornalha ardente

Pedindo que se juntem a eles, contra os pássaros

Que envenenaram a nossa gente.

Mamãe amaldiçoa as crianças abandonadas de sua rua.

Sem reconhecê-las,

Ela sai voando com o seu xale, sobre fios elétricos,

Descrevendo nos céus, com a fumaça dos seus ossos,

A amplitude de sua amargura

Até voltar ao seio pleno de sua consciência, no fim da tarde,

Ignorando olhares e conjecturas. Uma vida dedicada às superstições merece seu laivo de ternura.

 

QUADRO DE HONRA

O mito da minha personagem sofre pelo mesmo destino em duas versões

Quando sinto antecipar o sabor inviolável de preparação para a crise

Ou vejo o quadro de honra pulsando contra a ausência de ideologia

Aí, o implacável sentimento moral se desfaz em necessidades ...

Não vejo diálogos,

Não presencio confrontos,

Sinto aquele vazio hamletiano,

E as ignorâncias pairando com renovada sensação de embriaguez ...

A angústia é um sentimento poderoso que faz o coração mudar de ritmo a todo instante, e isso dura,

Até chegar o momento que sinto aflorar a dialética libertária

Até chegar o momento em que passo a colher, amiúde,

O muito que tenho cultivado na memória

Depois, renovo-me jogando fora

As peças que guardava daquele jogo, mais restritamente,

Daqueles personagens que alvejei.

A insegurança são dois cavalos destemidos abrindo vácuo nos hemisférios

Vivo essa ilusão revolucionária,

Vivo olhando para trás

E vejo como não foi tão fácil ter evoluído

Obstinado que estava em destruir a tua visão simplória

Os interesses querem que tudo se apague

E querem por força envenenar os pecadores

Aqueles que teimam ir para a fila professar as suas paixões

Eles hão de conhecer a viva, orgulhosa e atormentada vaidade

E hoje não há o que me pareça digno de lealdade

Guardo todas decisões em mim,

Até a angustia que ocupa-me os espaços

Regada pelos amargos desinteresses ...

Sou mais um poeta diluído nas correntes venenosas de minha cidade

Esquecido, deslocado, por ter atiçado fogo ao rabo dos palhaços

Que hoje me desconhecem.

 

 

 

 

 

 

 

TODOS OS SENTIDOS

A minha infância é um sonho distante

Ocupei toda a minha vida com o futuro, sem jamais ter retornado a ela

Eu poderia tê-la revisitado. Poderia ter gravado o que fizera de brilhante ...

Onde fui demasiado barulhento,

Onde fui demasiado puro ... E nem sei se fui demasiadamente humano!

Não sei se fui feliz, porque vivi sempre lutando contra

Esse egocentrismo apagado.

Não sei onde funciona o amor nos sete sentidos

Não sei, nos sete sentidos, onde se encaixa o desejo

Não sei onde mora o ódio, se ele vive iludido com o pecado ...

E as placas ainda anunciam que os sentidos são cinco?!

 

 

 

 

 

 

 

 

De Todos os problemas enfrentados pelos bolcheviques, a ascensão do camponês foi o seu grande tormento.
Foi o momento transgressor
E o Czar imputou a Deus a culpa de todas as suas amarguras.
Naquele instante, Deus, para o Czar, se tornara o controle remoto defeituoso.  
Ele que imaginava Deus, como um brinquedo.
 
 
 
 
 ¡DECIME COMO SE SIENTES
Sinto muito jamais quis dizer o quanto sinto,
Pois nada somado com nada dará em nada,
Nada, portanto, é o que sinto.
Sinto muito jamais traduziria o quanto não sinto
Porque sinto muito não por acaso quer dizer que pouco é quase nada,
E nada é o pouco que sinto.
Sinto muito é o nada sentir de forma imprudente
Dito com uma insinceridade consternada, ninguém jamais diria
Que eu não sinto o que realmente não sinto.
Não sei o que quer dizer, aceite os meus pêsames, se nada entrego,
Tampouco saberia a quem dizer dos meus sentimentos
Se ao morto, que está morto por dentro e por fora,
Ou ao vivo que está morto por fora, mas vivo por dentro.
Vou te oferecer um cinto, não quer dizer sinto muito,
Não é um voto sincero, pois
Sentimento e sinceridade são iguais ao jornal e o peixe
Que desconhecendo todo este problema
Entraram também neste assunto
Nem nasceram um para o outro
Devido à praticidade dos elementos
Não seria nem o caso de atender às suas vontades ou aos fatos
Eles saem da feira sempre juntos.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BOM DIA!
Bom dia, menina bonita!
Do ponto de vista sonoro, a minha saudação seria o nada oco,
Do ponto de vista emocional, uma chama queimando da mão ao pescoço
Quando parti, tornei-me um laivo indefinido
Aquele passo mais longe para o desespero,
Aquele passo de volta, a anunciação
Aquele passo na rua sem uma flor nos meus canteiros
Aquele passo mais ao oriente, em atitude de indignação
O amor e o ódio são partes integrantes de uma mesma célula
São estados opostos da amêndoa coabitando a casca
Dois hemisférios sustentando a galáxia
A face ensolarada, o amor, a vida,
A face sombreada, o ódio, a morte
Bom dia, menina linda,
Ainda não sei que parte da amêndoa eu morderei.
 
 
 
 
 
EU TE AMO
Eu te amo
Eu te amo
Eu te amo.
Eu te amo, eu te amo, eu te amo
Euteamoeuteamoeuteamo ...
Esta ode não pode existir subliminarmente
É o paroxismo que precisa ser ressaltado e ele precisa estar presente
Um pouco mais à frente até!
De um “bom dia!’ do “faça-me o favor” e o “desculpa-me”
Ainda que estejamos de saco cheio,
Obcecado por um outro amor,
Indômito, com contas sem pagar,
E o oficial em nossa porta.
Eu digo que te amo quando queria mesmo era abrir sua jugular
Eu te amo ainda que a esteja vendo-a caidinha, morta
Eu te amo
Estou saindo,
Não sei a que horas volto,
Até onde sei, o meu relógio quebrou.
Se o homem não descobre resquícios de virtude dentro dele. Ele se torna escravo.
 
 
 
 
 
 
 

 

 

Poesia de vento

Ela veio ontem à minha favela

Mas não molhou os pés

Deus sol lavou o rio

Saia vermelha,

Sombrinha amarela

Aros dourados

Estação primeva

Ela acendeu a minha vida

A janela do sol até se abriu

Ontem ela entrou na minha vida

Ladrilhei em ouro a minha rua

Plantei uma cidade

Mas ela não atravessou o rio

Quando ela entrou em meus sonhos

Pisou os jardins do barraco

Fez lume dos pássaros dormindo nos fios

Ontem ela veio à minha favela

Poeta, filósofo, malandro ... pintei de azul o espaço

Pus mel e limão nas águas do rio

Eu gosto quando ela vem à minha favela

Ela tão bela, eu cavalheiro,

Ela princesa

Eu pobre gentio

Ela não posaria no meu barraco

Cavalos de sol ...

Águas do tempo

Poesia de vento,

Cavaleiros

Moinhos...

 

 

 

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