segunda-feira, 6 de julho de 2009

Romance: UM RIO PERENE
3ª publicação de Carlos Kahê
Editora americana SEVEN&SYSTEM
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Nota do autor:

Os pais são sinceros quando dizem não existir um filho de sua preferência, que todos são iguais diante do seu coração. O sentimento de paternidade também paira sobre a arte, sobre aquilo que extraímos de nós; aquilo a que chamamos de essência, inspiração ou o que de mais substantivo (abstrato) conseguimos perceber em nossa habilidade pessoal. Arte ou dom, não importa o nome. Inegavelmente, tenho uma queda pelo livro UM RIO PERENE, mas não posso dizer que ele seja o meu trabalho maior. Tenho o mesmo sentmeno pelo O SANTO SELVAGEM. Neste livro imprimi, naturalmente, os mais requintados tons da simbologia literária. Ao chegarmos ao seu desfecho, o nó na garganta é quase inevitável. Quando terminei de escrever A ORQUESTRA DOS MORTOS – precisei mexer no cerne de sua história, precisei mexer nos móveis da criação: voltar a conviver com as personagens para confortar a minha melancolia. Tenho muito orgulho de ter escrito e publicado o BAILADO HUMANO – desde sua feitura, da estrutura em que ele foi montado até o resultado de algumas resenhas profissionais favoráveis. Relendo a ROSA DO TEMPO, não saberia dizer onde estariam contidos os melhores contos, se neste ou naquele.

A minha relação com UM RIO PERENE é de uma emoção contida, mas efetiva. Pesquisei, coloquei-o em estado de fusão, escrevi, revisei, apaguei, renovei, publiquei, li-o trezentas vezes e todas as vezes em que chego ao seu final me emociono.
Tomei conhecimento de sua história real aos 11 anos. Numa noite de sábado, de chuva pesada, na minha pequena Itagimirim, minha mãe pedalava sua máquina de costura e eu, sem ter o que fazer, fiquei deitado riscando o chão, ouvindo a chuva, ouvindo a conversa dos vizinhos, que entrava pelas nossas paredes. De repente minha mãe parou a costura e se concentrou na narrativa do viajante.
Seu nome era Abraão, fazendeiro rico do norte de Minas. Desconfiado do assédio generalizado ele passou a se desfazer de seus bens. Antes de tomar tal decisão, Abraão contava com uma atenção exagerada de fazendeiros, de políticos, de empresários, pseudos-amigos, pares importantes para o seu negócio. Em sua narrativa, dizia esse senhor possuir em cada local de pouso, além de uma atenção acima do normal, um pijama novo, uma escova dental personalizada, o melhor banquete, o mais requintado sarau, estes, sempre eivados dos olhares mais estrigídeos. Inquieto com tais excessos, ele resolve anunciar sua falsa queda nos negócios, uma dispersão de bens, incontrolável, repetidos fracassos, maus negócios, dissabores, enfim, a bancarrota.
O resultado foi a clara mudança de atitude e de apreço.
O vizinho, para quem ele contava a sua história, fora seu vaqueiro por mais de trinta anos e teria sido a única pessoa a disponibilizar todo o seu plantel de muares e de reses para que ele recomeçasse a vida. Foi mais além: tudo o que possuía fora conquistado com a ajuda do ex-patrão, devido a sua bondade, sua lisura, sua amizade. Por isso, o internalizara no seu mais luxuoso lugar, no coração: “Tudo isso lhe pertence, meu patrão!”
Abraão não retornara àquela casa somente para ratificar o seu apreço, mas anunciar que o patrimônio, ainda mis revigorado, após sua morte, pertenceria à família do seu antigo empregado.
No romance, vou precisar de exatas 39 páginas para explicar e proceder as transmutações de minhas personagens (Dostoievski precisou de 420 páginas para explicar a relação dos Karamazov). Resgato o Abraão (bíblico) que a mim interessa: tento humanizá-lo, embora ele jamais vá deixar de exercer o seu papel de patriarca hebreu.
Utilizo as alegorias de sua Aliança com Deus para poder explicar as alianças possíveis entre os homens: rasgo a túnica de um rei em quatro pedaços. Em minha história, o tempo que é senhor de tudo vai me valer quando tento fazer um recorte sobre 4 homens para chegar à essência daquilo que pretendo que é traçar o itinerário de um individuo destemido: sua aliança com Deus revigorando sua religiosidade; a sua relação social expondo, em páginas abertas, o tom de sua personalidade; sua atitude diante do trabalho explicando sua relação com a família, com o outro e com o acúmulo de riqueza; por fim, o amor, que o tempo lhe roubara nos melhores anos, chega quando a luz que lhe parecia apagada aparece vigorosa, mas expondo a falta de ternura. Como o próprio Abraão definiu esse momento: “Havia em minhas mãos uma mulher capaz de colorir uma primavera, mas eu não sabia como conquistá-la”.

2. Resenha

Tomei conhecimento do trabalho de Kahê, durante a Copa do Mundo na Alemanha, onde estudo. Pelas mãos de um amigo, li o seu excelente, Sangue na Rua das flores, após, criei coragem de lhe pedir outros trabalhos, como o seu romance, O Santo Selvagem, além das crônicas que escrevia para o caderno cultural de um jornal de sua região. O Bailado Humano publicado há dois anos, pela Editora 7Letras, Rio veio confirmar a trajetória de um autor que prima pela musicalidade, pela expressão verbal cingida de conceitos eficazes, densos de significados. Considerei Um Rio Perene, um romance apaixonante, pós-moderno, em todos os aspectos, e há os inéditos A Noiva da Cidade, A Orquestra dos Mortos e Pássaros Mudos, trabalhos a serem concluídos, e que o alçarão ao grande público.
Carlos Kahê confessou-me sentir a presença de certas entidades, quando escreve. Cavaleiros voláteis apeiam diante dele, lhe sorriem e depois se evaporam como bonecos de nuvens. Assim, acontece em a Rosa do Tempo onde há passagens que ele mesmo lê arrepiado, incomodado com a presença quase palpável de Drummond, de Clarice, de Neruda... Enfim, Kahê, que é professor de literatura e pós-graduado em jornalismo, mais uma vez, surpreende com seu estilo ultra-moderno, utilizando expressões necessárias, únicas, densas, concisas, memoráveis.
Gabriel Lima Passos


Orelha – 3.
Carlos Kahê nasceu em Itagimirim, Extremo-sul baiano. Tão logo se acercou do sentimento do mundo, mudou-se para Itabuna, quem sabe atraído pela aura literária dos filhos ilustre da região cacaueira, Jorge Amado, Adonias, Telmo Padilha, Valdelice e Firmino Rocha. Kahê é músico, compositor, letrista denso, uma espécie de intelectual “gauche” devido a suas incursões instáveis pelas universidades. Começou na Arquitetura, onde vislumbrou a estética concretizada nas Letras. Deixou a Economia, por medo da dispersão, pela aridez, porém, jamais se afastou da sua teoria, volta e meia, invocada por uma de suas personagens. Pós-graduou-se em Jornalismo, porém, no retrato do artista, quando, ainda, bem jovem, há algumas nuances de Engenharia, cuja aplicação equilibra-o, sempre e mais na coesão, embora ele afirme que esta seja água bebida nas fontes de Graciliano, Fuentes, Lispector, Yourcenar e os grandes poetas do mundo. De sua região ele elege Telmo Padilha.
O Editor


Texto do livro:

A história de minha vida é uma canção que o tempo não apaga. O exercício de lapidar palavras e imagens faz com que cada verso seja um trabalho de reconciliação do presente, que ora anuncio, com o passado bíblico aninhado em minha história. Refazer esta canção, não apenas, ressalta a paciência com que me abandono ao ofício de rebuscar frases esquecidas, mas ajuda-me a reviver tudo o que antes parecia inútil paisagem. Se algo passa ao largo das minhas lembranças, tento segurar o impulso de renovar a minha canção, justamente por saber que a opção do homem pelo novo é uma avalanche. Assim, ao invés de mudar o olhar sobre antigas leituras, refaço o ponto adormecido bordando imagens, tecendo as mesmas idéias, até sentir que retomei veredas e trilhas de sua letra original.
Quem poderá dizer que retornar ao passado inviabiliza uma aproximação com o moderno? Sou perseguidor da novidade e acredito que ser fiel ao original é suavizar a ansiedade com que me impulsiono a tocar em versos importantes de minha canção; é saber que posso cantá-la com a voz tocada pelo emocional sentindo uma espécie de punhal arranhando fundo sua melodia, dissuadindo o tênue véu que encobre uma importante luz de sentimento. Essa é a minha maneira de sentir as veias desaguando de emoção, e é desta maneira que refaço cada passo de minha primeira passagem pela Terra. Os primeiros versos fogem ao livro do Gênese. Nesta canção, busco tecer apenas o momento em que, ainda vivendo em Ur, antecedeu a minha “Aliança” com Deus.

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