quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

ESTA NÃO É CLARICE


O PAPEL DO FICCIONISTA

A crítica literária estabelecida é fundamental para o entendimento da história dos livros e da leitura. Não fosse assim, obras de autores como Shakespeare, Cervantes, Victor Hugo e tantos outros permaneceriam isoladas a despeito de sua qualidade e, principalmente, profundidade na compreensão do que venha a ser o multiculturalismo, com seus relativismos estéticos, cânones, clássicos, ensinamentos contidos no resistente adágio do teórico francês Roland Barthes, mais precisamente, em seu breve ensaio O prazer do texto.
A escritora, Clarice Lispector, falecida há 30 anos, é um dos literatos brasileiros que mais interessam aos teóricos, desde que a sua obra foi descoberta pela crítica francesa, no final dos anos 70 e 80, coincidentemente, logo após sua morte.

Naquela época, a crítica literária enfrentava uma crise de valores, uma vez que os parâmetros estéticos de então estavam fortemente questionados e os estudos viam-se obrigados a novos direcionamentos, dentro das próprias universidades européias e americanas, tais como o feminismo, o homossexualismo e a as explosões culturais.
Na escrita de Clarice há um limite real da linguagem que esbarra na denominação de um objeto constituinte e que não está em parte alguma, mas se interpõe no curso da vida, como um não sentido que se configura, porque há algo intrínseco, recalcado.

Estudiosos destacam nas suas personagens procedimentos psicanalíticos atribuídos à linha do francês Jacques Lacan; teorias e conceitos defendidos por aquele psicanalista, pela antevisão, possibilidades e os limites daquilo que a palavra não era capaz de dizer, mas que Clarice captava com maestria, que era a posição do sujeito diante do próprio discurso.
Clarice dizia-se não uma escritora, apenas alguém que retirava do mundo as suas dores e sentimentos profundos. Eis o ofício do literato: ao se abrir a janela do universo, os fatos surgem em fração de segundos, de maneira quase imperceptível, para em seguida se dissiparem. Aquilo que se descortina em brevíssimo clarão é tão efêmero que quase nada se percebe e desse descortinar, durante o qual a incredulidade se ausenta é que surgem as grandes ficções.
Clarice Lispector não escrevia para se autoconhecer, pelo contrário, perseguia a neutralidade e aquilo que escapava a toda identidade; buscava o inalcançável, o selvagem que embora selvagem estivesse muito próximo de nós.

Clarice, tampouco, foi uma escritora realista: existem as grandes leituras que nos marcam, que realçam claras conexões com os nossos sentimentos e riscam-nos a sensibilidade, sem que seja preciso nos cimentar entre as paredes dos crus realismos, entretanto, a escrita de Clarice foi fundamentada na identidade com que seus leitores julgavam existir entre eles, e o que estava intrínseco na sua obra.
Influência mesmo ela exerceu sobre alguns escritores, a exemplo de Lúcio Cardoso e Caio Fernando Abreu, a quem a crítica literária disse ter ela mais asfixiado do que propriamente influenciado. Até Paulo Mendes Campos, por quem ela nutriu uma ferrenha paixão, deixou-se levar pelos seus encantos. Hilda Hilst declarou à poeta Marly de Oliveira, íntima de Clarice: – “Ela ronda por aqui, e não sei se é um fantasma ou um personagem”. – Hilda referia-se á possível presença “difusa”, da escritora, na biblioteca da chácara em que vivia, nos arredores de Campinas. Estas pessoas se impregnaram de Clarice.
Ao resenhar sobre a vida de Clarice Lispector, a editora literária, Josélia Aguiar, de Entrelivros, discorre sobre o grau do riso e do exacerbado siso da escritora. Que mistério tem Clarice? Escreveu Drummond no dia de sua morte.

Não havia mistério, poeta! Faltava, sim, a alguns teóricos, assunto ou imaginação, e não há senso de humor para agradar a determinados jornalistas, estudiosos, estudantes e principalmente eteceteras, quando se procura um riso límpido e suave destampado no rosto de uma mulher, não brasileira, ucraniana, que se chamava Haia, e no Brasil foi rebatizada como Clarice; de infância pobre, que quase passou fome, refugiada no nordeste brasileiro, para fugir da perseguição anti-semita e da Revolução Bolchevique.
Quanto mais despejava simplicidade nos seus traçados, mais complexidade os experts diziam encontrar na obra de Clarice. Peguemos a personagem Macabéa, de A Hora da estrela e vamos perceber o olhar tranqüilo e preciso de Clarice, sobre o universo da nordestina: Macabéa, se mostra incompetente para viver as coisas mais simples de sua vida, mas sonha em ser estrela no Rio.

O livro nada tem de complexo, como quer demonstrar os seus aficcionados, tampouco pode ser considerado um romance social. A obra tem efetivamente esse alcance, se quiserem juntar os artifícios sociais com a linguagem usada; ocorre que esta não é a maneira de Clarice tocar no social. Nela, o humanismo emerge fora do contexto geral. Ela geralmente parte do choque entre ideologia e estética. Na sua estrutura narrativa, o social é o elemento que aproxima do literário formando um elemento indissolúvel; ela parte do choque entre ideologia e estética. Na sua estrutura narrativa, o social é o elemento que aproxima do literário formando um elemento indissolúvel: é engano acreditar que lea põe que ela punha nos traços das personagens de suas histórias, o que está configurado na sua essência. Esta não é Clarice.
Carlos Kahê

2 comentários:

Unknown disse...

Parabéns pelos textos. Que você aconteça logo!

galvao disse...

acredito que não existe escrita complexa, e sim, leitor complexo. essa de querer coçar verruga que não existe, é o que mais me incomoda e o que mais persiste. Criticos, na minha ingênua, singela e humilde opinião, são pessoas que querem achar que toda escrita tem algo de subliminar e que existe algo nas entrelinhas e ficam inconformados com a singelidade e sinceridade de sentimentos em forma de palavras como é o exemplo do Quintana. Li isso em uma revista sua q eu, sorrateiramente surrupiei por instantes, que teoricos não entendiam pq o Quintana era o preferido das pessoas, mas não o era tão aclamado pela critica. acho que a mesma regra que vale pro Renato Russo, vale pro Quintana, Clarice, Drummond e Cecilia: olhe o que realmente se vê, sinta o que realmente se sente e escreva o q realmente se é. nada de Metaforas Mirabolantes, de longas teses e estudos tediosos e monotonos sobre tal texto. apenas ame aquilo q vc faz e saiba por em palavras. talvez por isso, mais do q reflexo, te tenho como Ídolo. sucesso, desculpe a ingenuidade do meu texto e, entenda-o como desabafo daquele q tem o seu sangue, mas n tem seu dom. te amo pai. beijo do seu filho que, qnd crescer, nada mais quer do que ser igual ao teu pai.