quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

MAIAKÓVSKI
EU SOU POETA: É JUSTAMENTE POR ISSO QUE SOU INTERESSANTE.

Se A Ciência da Palavra teve um artista convencido da importância do seu ofício, este foi Vladimir Maiakovski. O poeta russo teve urgência em demonstrar a importância da sua poesia no contexto da revolução por ele vivenciada, declamando-as em espaços públicos, muitas vezes seguidos de debates que o inspiraram a escrever versos como estes: “Grita-se ao poeta: “Queria te ver numa fábrica” O quê? Versos? Pura bobagem! Para trabalhar não tens coragem!” (retruca o poeta) Talvez ninguém como nós ponha tanto coração no trabalho. O poeta é uma fábrica. E se chaminés nos faltam talvez seja preciso ainda mais coragem. Sei. (interlocutor) Frases vazias não agradam. Quando serrais a madeira é para fazer lenha. E nós (poetas) que somos, senão entalhadores a esculpir a tora da cabeça humana? Certamente que a pesca é coisa respeitável. Atira-se a rede e quem sabe? Pega-se um estrujão! Mas o trabalho do poeta é muito mais difícil. Pescamos gente viva e não peixes. (interlocutor) Penoso é trabalhar nos altos-fornos onde se tempera o ferro em brasa. (e o poeta) Mas pode alguém acusar-nos de ociosos? Nós polimos as almas com a lixa do verso. (Interlocutor) Quem vale mais: o poeta ou o técnico que produz comodidades? Ambos (completa o poeta).
Nos últimos cinco anos de vida e de produção artística, Maiakovski foi um soldado que viajou pelo país, intervindo na imprensa, falando aos operários e camponeses, transformando em ação o trabalho do artista, o que deixa evidente sua concepção de arte como instrumento de intervenção. Maiakovski impregnou seus versos de vida turbulenta, que então vivia; e a plenos pulmões revestiu sua poesia de um poder bélico: “Poemas-canhões, rígida corte apontando maiúsculas abertas. Ei-la a cavalaria do sarcasmo, minha arma favorita para a luta. Rimas em riste, sofreando o entusiasmo, eriça suas lanças agudas (...) Eu vos dôo, proletários do planeta, cada folha até a minha última letra”. Ao suicidar-se, em 1930, aos 37 anos, o poeta do proletariado já se tornara grande, importante, conhecido em todo o mundo soviético. “A todas vocês, que eu amei e que amo, ícones guardados num coração-caverna, como quem num banquete ergui a taça e celebrei repleto de versos levanto meu crânio. Penso, mais de uma vez: seria melhor talvez pôr-me o ponto final de um balaço. Em todo caso eu hoje vou dar meu concerto de adeus. Memória! Convoca aos salões do cérebro um renque inumerável de amadas. Verte o riso de pupila em pupila, veste a noite de núpcias passadas. De corpo a corpo, verta a alegria: esta noite ficará na História. Hoje executarei meus versos na flauta de minhas próprias vértebras”.
Morre o poeta! Não morrem os seus versos! Seus versos jamais foram tratados à maneira dos soldados anônimos despojados nas lufadas do assalto. Seus versos, no entanto, com ele partilharam a glória, em comum monumento, mas não lhes deram rublos, nem mobílias, nem madeiras caras. Ficamos com as suas sementes, já que havia melancia para todos os dentes, como ele bem o declamara. A grande comoção havida em Moscou, pela sua morte contrapôs ao sentimento que nele impregnava de poeta incompreendido. Justo ele que carecia de olhos diante de suas palavras; olhos pra os quais os seus poemas se dirigiam; cuja importância mais premente em sua comunicação centrava-se na massa, no palco, na voz e no discurso direto. Nas linhas de um poeta se equilibra a morte, digo eu, Kahê, público de Maiakovski, que sou; pois nada é mais morte para um poeta do que o desacreditar em suas ideologias.
Quem ama o poeta russo sabe que ele não morreu e acredita na ressurreição de seus versos: “Um dia, quem sabe, ela, que também gostava de bichos apareça numa alameda do zôo, sorridente, tal como agora está no retrato sobre a mesa. Ela é tão bela, que, por certo, hão de ressuscitá-la. Vosso Trigésimo Século ultrapassará o exame de mil nadas que dilaceravam o coração. Então, de todo amor não terminado seremos pagos em inumeráveis noites de estrelas. Ressuscita-me, nem que seja só porque te esperava como um poeta, repelindo o absurdo quotidiano! Ressuscita-me, nem que seja só por isso! Ressuscita-me! Quero viver até o fim o que me cabe! Para que o amor não seja mais escravo de casamentos, concupiscência, salários. Para que, maldizendo os leitos, saltando dos coxins o amor se vá pelo universo inteiro. Para que o dia, que o sofrimento degrada, não vos seja chorado, mendigado. E que, ao primeiro apelo: - Camaradas!Atenta se volte a terra inteira. Para viver livre dos nichos das casas. Para que doravante a família seja o pai, pelo menos o Universo, a mãe, pelo menos a Terra”.
Temo que Maiakovski tenha-se suicidado em virtude do seu desencanto com o Regime. Um artista da palavra flerta com as frestas para espargir suas farpas. “A República Democrática é por aí que se revela. Promete tudo dividir em partes iguais: para uns a rosca, e para os outros o buraco dela”.
P.S. : Vou chamar Literatura de A Ciência da Palavra, enquanto ouvir os incautos chamarem bibliografias, textos alhures, de Literatura.
CarlosKahê

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