domingo, 13 de janeiro de 2008

RUDYARD KIPLING

LISPETH

Em Lispeth, conto de Rudyard Kliping, a personagem é uma garota, filha de montanheses do Himalaia, Sonoo e Jadeh, que foi retirada da sua realidade de aldeã primitiva, do Sutlej Valley, em Kotgarh, na Índia, para ser colocada no seio de uma família inglesa.
Quem lê o trabalho desse escritor indiano, criado nos ares britânicos, não há como fingir que suas palavras não nos levam ao desencanto. Kipling descreve a desilusão daquela jovem, como se estivesse convencendo-a de que a sua estada naquela casa, não tem a devida aceitação, como uma filha de verdade, por parte desses supostos pais: na verdade ela nos é mostrada como uma espécie de empregada, de acompanhante da esposa do capelão, jamais como filha.
A desilusão de Lispeth se acentua ao encontrar aquele moço branco, ferido: ela o acolhe em casa, cuida dele, imaginando ter encontrado naquele homem civilizado o companheiro ideal, o amor de sua vida.
O ser humano vive impulsionado pelos seus sonhos. É verdade. Todavia, se a sua capacidade de sonhar superar os seus próprios limites? E se a sua capacidade de sonhar suplantar a possibilidade de idealizar os seus desejos? O que faz ele? Ultrapassar a linha invisível da racionalidade? Vivendo assim, ele estará vivendo os seus embates com o ilusório: simplesmente, a sua capacidade de sonhar abriu-lhe perspectivas falsas. O que faz o sujeito? Perde a sua esperança?
Ao ouvir de Lispeth, a intenção de desposar aquele desconhecido, os seus supostos pais se manifestaram com horror; não por ser o pretendido um desconhecido: ele era um jovem inglês, possivelmente oriundo de uma casta nobre, portanto, acima das possibilidades de uma aldeã. O capelão e sua esposa manifestaram-se com horror diante daquela pretensão, porque eles jamais a tiveram como filha, embora fosse muito bonita: descrita por Kipling, Lispeth era uma deusa grega, com traços europeus.
Dessa forma, Lispeth deixava-se embaraçar na teia ilusória das diferenças; tornava-se personagem nefasta em um confronto cultural, tragada pelo abismo social, pelo desnível econômico existente entre um vale situado no sopé de uma montanha asiática e a paradigmática Inglaterra, do Reino Unido.
O conto de Kipling, em nossa visão terceiromundista, denota o preconceito dos povos dominantes em relação as suas colônias. Além do fator econômico e político, existem as carências sociológicas: o capelão e sua esposa jamais fariam uma leitura de impossibilidade, se fosse outra a origem da menina. Depois daquele desejo manifestado, eles jamais teriam se juntado ao inglês para iludir a aldeã com vãs promessas de que ele voltaria para desposá-la, se não houvesse esse viés seletivo.
Sentindo que perdera a batalha inglória das diferenças, Lispeth resolve anunciar aos supostos pais, sem recorrer às palavras, que entendera o tamanho do seu papel naquela história. Ela escolhe voltar ao seu lugar. Estava sucumbida diante da inexorável desilusão, depois de entender que a sua triste realidade seria a de retornar às intempéries sazonais das lavouras de milho; seria voltar a viver a sua própria realidade, de retomar o seu ópio existencial, viver perdida nos campos de papoulas, em seu vale, no seio da sua verdadeira casta.
Trazendo à luz essa realidade humana, Kipling demonstra a sua preocupação com as minorias; extratos cruéis de realidades que, embora distante, mudam apenas a forma de se discriminar, todavia é mais uma oportunidade que a literatura tem de nos revelar que é a partir de obras como essa, que o mundo encontra a forma mais pertinaz de aproximação, não obstante as aberrações sustentadas pelas sociedades dominantes sobre as castas colonizadas.
Carlos Kahê

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