segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

MIGUEL TORGA: 100 ANOS NA HUMANIDADE

"Ser livre é um imperativo que não passa pela definição de nenhum estatuto. Não é um dote, é um Dom".

Liberdade para o Menino do Cavaquinho

Nascido em São Martinho do Anta, na Região de Trás-os-Montes, em 12 de agosto de 1907, o médico Adolfo Correia da Rocha escondeu-se atrás do pseudônimo, Miguel Torga, para deixar fluir a sua vocação de escritor.

Sustentado por dois pólos de tensão, a mundividência do escritor tenta se equilibrar na paisagem do "eu", na qual parece derramar todos os transes humanos, e se processa, também, através do telurismo e do humanismo, que se constituem em molas-mestras de sua cosmovisão.

O gênio artístico, porém, que demonstrava ter pressa ou resistência à orientação de movimentos, impulsiona-o à dualidade – sujeito e objeto –, uma tendência literária, dentro das suas características. Tal impulso moveu o ficcionista a transformar enredo em fábulas ou parábolas, cujo objetivo era somente a moralidade, jamais o belo ou a estética; aliás, esse seu estilo de colocar o homem no centro do universo, qualificou a sua obra, diante da crítica, como polêmica, agressiva ou humanisticamente desesperada.

Torga optou por não seguir um movimento batizado em Portugal com o nome de Presença, onde repousava a fina flor literária de então, para não seguir um psicologismo para ele conflitante, pois que tratava, estritamente, a excelência urbana. Preferiu libertar-se dos neo-realistas e deixou fluir a sua literatura eivada de tragédias, da inexorabilidade dos destinos, da fatalidade e sujeição de suas personagens.
Em sua obra, os momentos de humor são raros. O seu trabalho foi orientado por quatro axiomas:

A VONTADE – inacessível e soberana de realizações impossíveis;

A VIDA – por vezes restrita a uma expectação sufocante do aniquilamento;

A MORTE – onde a vida se desenvolve em uma anti-sala do juízo final, e

O NADA – que preside o espetáculo e confere graça ao sentido que simboliza.
A literatura, em Miguel Torga, trata-se de uma comoção represada, mas nem por isso menos densa e contagiante, que emerge das pinceladas soltas que se aglutinam na unidade da própria comoção.

Ele, também, foi uma voz troante, no Portugal Salazarista: “Assim eu acreditasse nos militares. Foram eles que durante macerados cinqüenta anos pátrios, nos prenderam, nos censuraram, nos apreenderam e asseguraram com as baionetas o poder à Tirania. Quem poderá esquecê-lo. Ao se festejar o seu centenário, colhemos do Sr. Ventura e do Menino de O Cavaquinho, a senha máxima para o ser livre que nele habitou: Ser livre é um imperativo que não passa pela definição de nenhum estatuto. Não é um dote, é um Dom.
Carlos Kahê

Nenhum comentário: